3. Base Teórica do LM (Parte II): Contradições
Contradições e Desenvolvimento
Por Marco Antonio Pereira
Querol
Como mencionado na postagem
anterior, a base do Laboratório de Mudança está fundamentada na Teoria da
Atividade e na dialética materialista, que é uma forma de pensar, compreender o
mundo e as mudanças que nele ocorrem. Dentre os princípios da dialética materialista,
destaca-se o princípio da contradição. A pressuposição dessa abordagem
filosófica é que vivemos em um mundo em constante movimento, impulsionado por
contradições. A contradição é a essência de tudo. Todos os elementos são
formados pela união de opostos, e são essas forças que promovem as mudanças e o
desenvolvimento do mundo.
O termo “contradição” é muito
utilizado no cotidiano, mas na Teoria da Atividade trata-se de um conceito
específico, que precisa ser diferenciado. No uso cotidiano, assim como em
muitas pesquisas, contradição é entendida como sinônimo de problema, conflito,
falta de algo, limitação, barreira, distúrbio, dilema ou paradoxo. Nesses
casos, o conceito permanece superficial, sendo reduzido a um mero sinônimo
desses termos. Aqui, abordarei como esse princípio é conceitualizado e
operacionalizado na Teoria da Atividade e no Laboratório de Mudança.
Também apresentarei alguns
conceitos relacionados à contradição, dentre eles os de movimento, mudança,
desenvolvimento e inovação. Apesar de a aprendizagem estar diretamente
relacionada à contradição, deixarei esse tema para a próxima postagem, pois se
trata de um conceito central da Teoria da Atividade que exige uma discussão
mais ampla e específica. Finalizo esta postagem apresentando o ciclo de
desenvolvimento expansivo de uma atividade, que fundamenta a teoria da
aprendizagem expansiva.
O que é contradição?
Contradições são forças opostas,
tendências mutuamente excludentes que levam um sistema a seguir em direções
contrárias. Na Teoria da Atividade, assume-se que todos os elementos de um
sistema de atividade possuem contradições. A contradição não é apenas uma
propriedade ou um estado, mas sim a sua essência. Cada elemento é composto e
resultado da união de opostos. Portanto, a contradição constitui a essência — e
não uma mera característica — dos elementos.
Movimento e Desenvolvimento
A contradição é a força motriz do
movimento e do desenvolvimento. Movimento é o processo mudança qualitativa em
um sistema, caracterizado pelo surgimento, maturação e agravamento de um
sistema. Desde o seu surgimento, um elemento já carrega em si a contradição;
com a maturação do sistema — isto é, com o amadurecimento de suas partes — essa
contradição se intensifica até provocar o surgimento de um novo sistema e o fim
do anterior. Esse processo de começo, meio e fim, de nascimento e morte, é o
que se denomina movimento.
Desenvolvimento é um tipo
de movimento, ou seja, o processo de resolução de contradições, mas orientado
em uma determinada direção. Uma possível definição de desenvolvimento seria: o
processo de resolução de contradições dentro e entre elementos de um sistema,
seguindo uma direção específica.
É importante destacar o que se
entende por resolução. As contradições não desaparecem nem são
eliminadas — eliminá-las significaria eliminar a própria realidade. O que
ocorre é uma resolução temporária, já que o novo também carrega suas próprias
contradições. Resolver uma contradição significa encontrar ou criar formas de
mediação, de integração das forças opostas. Para isso, geralmente surge algo
novo: uma terceira via que integra ou externaliza essas forças.
No entanto, a contradição não é
eliminada, apenas passa a se manifestar de maneira diferente nos novos
elementos do sistema. Portanto, nenhum sistema está ou estará livre de
contradições. Elas permanecem presentes, variando apenas no grau de
agravamento. Quanto mais agravadas, mais intensamente se manifestam.
As contradições podem ser
identificadas?
Uma contradição, ou seja, uma
força oposta interna é um conceito teórico, uma abstração, uma generalização
teórica que tenta explicar algo que está ocorrendo no mundo. Elas são
explicações teóricas. Mas isso não significa que elas não existam, mas sim que
não podem ser diretamente observadas. Apenas podemos observar suas
manifestações.
O que podemos fazer é a partir
dessas manifestações que se podem observar, formular hipóteses. Inicialmente a
hipótese é mais abstrata e geral, e ao se ter mais e mais conhecimento sobre
suas manifestações, vai-se enriquecendo-as, elaborando-as, tornando mais
refinadas e precisas. Podemos começar com uma contradição abstrata e ir
elaborando com mais detalhe como ela vai se manifestando em forma cada vez mais
concreta.
A pessoa interessada em ver como se conduz uma análise histórica e análise de distúrbio como métodos para elaborar e refinar hipotese de contradicões ver p. 141 de Querol (2011), link abaixo.
Exemplos de contradições?
Como nos lembra Karl Marx, na
atividade humana, o processo de produção, distribuição, troca e consumo é
afetado por contradições características do modo econômico predominante, no
nosso caso o capitalismo. Como apontado por Engeström (1987), uma das
contradições básicas existentes é entre dependência e independência do sistema,
que no capitalismo se manifesta como uma contradição primária entre valor de
uso e valor de troca de uma mercadoria. Essa contradição surge com o processo
de divisão social do trabalho, quando as pessoas passaram a se especializar na
produção de um bem ou serviço específico no qual possuíam uma vantagem. Isso
permitiu ganhos de produtividade, mas também levou ao surgimento de uma
contradição fundamental entre valor de uso e valor de troca.
O valor de uso refere-se à
utilidade de algo, decorrente de suas propriedades, que permite a satisfação de
necessidades humanas. Já o valor de troca, segundo Marx (1990),
corresponde ao tempo de trabalho gasto para produzir algo. Esse tempo pode ser
ou não expresso de forma monetária. Por exemplo, um casaco tem valor de uso —
proteger do frio — mas também valor de troca — o tempo de trabalho utilizado
para produzi-lo.
A contradição entre valor de uso
e valor de troca é abstrata e não exclusiva do sistema capitalista. Ela pode
ser um ponto de partida em uma análise, mas é importante compreender suas
diferentes manifestações em atividades e contextos específicos. Um exemplo é a
atividade educacional. A educação possui um valor de uso: formar o aluno,
permitindo que desenvolva visão crítica, conhecimentos e habilidades. Por outro
lado, ensinar exige tempo e energia dos professores, além de materiais e
infraestrutura, custos que são cobertos por meio de mensalidades ou impostos.
Assim, a educação adquire um duplo valor: o de uso (o aprendizado) e o de troca
(o tempo de trabalho do professor, expresso monetariamente). Essa contradição
afeta os demais elementos do sistema. Por exemplo, ferramentas de controle do
tempo de trabalho do professor podem reduzir custos (valor de troca), mas
também podem comprometer a qualidade do ensino (valor de uso).
A especificidade do sistema
capitalista é que o objeto se transforma em mercadoria, e o resultado esperado
não é necessariamente a satisfação de uma necessidade humana, mas sim a
produção de capital. Ou seja, não se trata apenas de produzir algo, mas de produzir
algo para gerar mais-valia — o lucro. Para isso, a receita precisa ser maior
que o custo. No processo de maximização do lucro, novas contradições vão
surgindo.
Um exemplo é a atividade de
produção de suínos industrial. A forma atual, chamada de produção industrial ou
em massa, baseia-se em grandes escalas de produção, mecanização e concentração
de animais em espaços restritos. As tecnologias e técnicas empregadas nesse
modelo são contraditórias. Por um lado, reduzem o custo de produção, permitindo
produzir mais suínos com a mesma quantidade de mão de obra, em menos tempo e
espaço. Isso gera aumento de produtividade (valor de troca) e libera força de
trabalho. Por outro lado, esse modelo traz efeitos negativos (valor de uso),
como o desemprego, a redução do bem-estar animal e o aumento dos riscos
ambientais, entre outros.
Obviamente, existem outras
contradições além daquela entre valor de uso e valor de troca. Elas podem ser
específicas da atividade ou de elementos do sistema. Um exemplo é a atividade
de serviços de cuidado a idosos. Nela, há uma contradição entre estimular a
mobilidade, que proporciona maior independência e vitalidade ao idoso, e
garantir sua segurança, já que uma maior mobilidade aumenta os riscos de quedas
e acidentes. O desenvolvimento, nesse caso, surge a partir da criação de meios
que integrem essas forças opostas.
Como podemos formular hipótese
das contradições?
As contradições se manifestam em
distúrbios que geram a necessidade de mudança no sistema. Novos elementos,
chamados de inovações, são criados com o objetivo de resolvê-las. Existem pelo
menos três métodos que podemos utilizar para formular hipóteses sobre
contradições: análise histórica, análise de distúrbios e manifestações
discursivas. Retomarei esses métodos mais adiante, ao abordar a metodologia.
Por ora, cabe apenas mencionar
que as contradições são históricas, no sentido de que surgem com o aparecimento
de novos elementos. Elas se agravam com a maturação do sistema até chegar a um
ponto em que precisam ser resolvidas, sendo então remediadas por meio de uma
nova forma ou de um novo elemento. Analisar a história — ou seja, os eventos
passados, os acontecimentos e as ações tomadas, bem como seus motivos e
essência — permite compreender as forças que levaram ao surgimento do novo
elemento. Esse novo elemento foi solução para quê? Como, ou de que maneira, ele
resolveu determinada contradição?
As contradições podem se
manifestar de diferentes formas, tanto fisicamente quanto discursivamente.
Fisicamente na ocorrência de um evento indesejado com consequências negativas,
ou seja, um distúrbio (Querol, 2011). São exemplos de distúrbios: a explosão de
um biodigestor devido à falta de manutenção. A análise das razões pelas quais
tal evento ocorreu permite formular hipóteses sobre quais tensões do sistema o
provocaram, como capacitação ou instruções inadequadas, ou ainda a baixa
motivação dos agricultores. Essa situação pode ser entendida como manifestação
da contradição interna ao biogás: apesar de possuir valor de uso — pode gerar
energia elétrica e reduzir o impacto ambiental ao tratar resíduos sólidos —,
também possui valor de troca, pois exige tempo de trabalho para ser produzido.
Discursivamente, a partir da
análise de entrevistas, registros ou observações, busca-se compreender o que
levou aos distúrbios, quais tensões e forças resultaram nessas manifestações.
Em geral, combina-se ambos os
métodos: uma análise histórica, que fornece uma perspectiva mais ampla com
hipóteses mais abstratas sobre as contradições, seguida de uma análise do
presente, que refina e ajuda a elaborar essas hipóteses, permitindo entender
como elas se manifestam de forma mais concreta.
Na Teoria da Atividade,
utiliza-se o modelo de sistema de atividade como representação teórica da
anatomia sistêmica de uma organização. Na teoria da aprendizagem expansiva, a
contradição primária se manifesta em outros tipos: secundárias, terciárias e
quaternárias, que veremos a seguir.
Ciclo de desenvolvimento expansivo
Agora irei apresentar o ciclo de
aprendizagem expansivo proposto por Engeström (1987) chamado aqui de ciclo
de desenvolvimento expansivo para não confundir o ciclo com o mesmo nome
que apresenta as ações de aprendizado expansivo.
Como o nome sugere, esse ciclo
apresenta as fases de desenvolvimento da atividade, e o tipo de contradições
predominantes em cada fase. O ciclo pode ser usado, por exemplo, para o
pesquisador intervencionista e os participantes formularem hipótese de qual
fase no ciclo a atividade que está sendo analisada se encontra, portanto qual é
o tipo predominante de contradições
presentes na atividade.
Segundo Engeström (1987) as
atividades humanas funcionam de forma cíclica. Estes ciclos podem ser
repetitivos, contrativos ou expansivos. Repetitivos são ciclos onde não há uma
expansão do objeto, ou seja, não se transforma qualitativamente a motivação ou
propósito da atividade. Os ciclos contrativos é quando o novo objeto perde
propriedades, ou seja, é qualitativamente mais pobre, com menos propriedades.
Já o ciclo expansivo se refere ao aumento, enriquecimento das características
do objeto-propósito.
Um exemplo de expansão do objeto
pode ser observado na atividade de serviços médicos, quando ocorre a mudança de
uma abordagem reativa, voltada ao tratamento de sintomas, para uma abordagem
preventiva. Nesse caso, há uma expansão da dimensão temporal. Outro exemplo é
quando um médico deixa de focar apenas em uma parte específica do corpo do
paciente (coração, olhos etc.) e passa a considerar o corpo como um todo e a
interação entre as partes. Por exemplo, um cardiologista pode deixar de
compreender uma doença cardiovascular apenas como mau funcionamento do sistema
e prescrever remédios, para entendê-la também como consequência da alimentação
e do estilo de vida do paciente, que devem ser considerados no tratamento.
Nesse caso, há uma expansão socioespacial do objeto.
O processo de desenvolvimento
expansivo se inicia quando as contradições primárias de uma atividade já
consolidada começam a se agravar, levando-a a um estado de necessidade. Nessa
fase, há manifestações da contradição primária, mas os sujeitos ainda conseguem
manter a atividade funcionando — como se costuma dizer, “empurrando o problema
com a barriga”. Essa fase é chamada de ESTADO DE NECESSIDADE (fase 1 na
Figura 1): sabe-se que é preciso mudar, mas a atividade continua sendo
realizada da mesma forma.
Vamos retomar o exemplo da
atividade de produção de suínos. Como mencionado, a produção industrial de
suínos apresenta uma contradição primária: por um lado, é relativamente mais
produtiva graças à mecanização e à produção intensiva, reduzindo custos e garantindo
alta produção em menor espaço e tempo; por outro, gera elevado impacto
socioambiental. Um exemplo é a poluição causada pelas fezes dos animais e pela
alta concentração deles em pequenas áreas, contaminando rios e o lençol
freático, além de provocar odor e emissões de gases de efeito estufa. O
problema existe, mas ainda é possível manter a atividade. Esses impactos são
reconhecidos, mas muitas vezes ignorados ou contornados. No exemplo, a
atividade se encontra na fase de Estado de Necessidade.
A segunda fase ocorre quando as
manifestações se tornam tão graves que já não podem ser ignoradas. Sujeitos de
atividades vizinhas, ou da própria atividade, passam a alterar elementos do
sistema, gerando contradições secundárias — tensões ou
incompatibilidades entre os elementos do sistema de atividade. Nessa fase, os
sujeitos entram em uma situação de vínculo duplo, em que qualquer
escolha implica detrimentos. É o que se costuma dizer: “se ficar, o bicho pega;
se correr, o bicho come”, ou ainda, “entre a cruz e a espada”. Nesse estágio,
os distúrbios se intensificam, e os sujeitos começam a analisar alternativas,
ainda sem sucesso. Essa fase é chamada de VÍNCULO DUPLO, marcada pela
motivação para a mudança e análise de alternativas.
No exemplo da produção de suínos,
o Ministério Público Estadual do Meio Ambiente começa a ameaçar aplicar a lei e
multar agroindústrias compradoras e agricultores por não reduzirem a poluição.
Regras são criadas exigindo a instalação de biodigestores para tratar os
resíduos e reduzir o impacto ambiental. Isso coloca os agricultores em situação
de vínculo duplo: se adotarem os biodigestores, os custos de produção aumentam
e sua renda diminui; se não os adotarem, são multados. Assim surgem
contradições secundárias, como entre as regras (a lei que exige biodigestores)
e os instrumentos (a prática em uso, isto é, o armazenamento a céu aberto dos
resíduos). Neste caso, a atividade se encontra na fase de vínculo duplo.
A solução dessa contradição
secundária não era simples: construir os biodigestores exigidos pela lei era
inviável para muitos agricultores, já pressionados pelos baixos preços do
suíno, endividados e ameaçados de abandonar a atividade.
A terceira fase consiste na CONSTRUÇÃO
DE UM NOVO OBJETO E MODELO DO SISTEMA DE ATIVIDADE. Como o nome indica, os
sujeitos constroem algo novo. Essa fase pode durar anos, especialmente se não
houver coordenação no processo. No caso dos suínos, a solução foi a criação da
atividade de produção de biogás, que uniu o tratamento dos dejetos à geração de
benefícios econômicos para os agricultores.
Na quarta fase, os sujeitos
decidem implementar a solução idealizada em uma unidade piloto, de forma
experimental. Essa fase é chamada de APLICAÇÃO, GENERALIZAÇÃO E
TRANSFORMAÇÃO. Durante sua implementação, surgem contradições terciárias,
ou seja, tensões entre o novo e o velho.
Por fim, na quinta fase, de CONSOLIDAÇÃO
E REFLEXÃO, o novo sistema de atividade começa a se generalizar e se
consolidar. Ao se difundir, entra em choque com sistemas de atividade vizinhos
— por exemplo, a alta gestão, que não acompanhou o processo e não aprendeu o
novo modelo, ou atividades reguladoras e legislativas com as quais a produção
precisa cooperar. Essas tensões entre um sistema de atividade central e
sistemas vizinhos são chamadas de contradições quaternárias.
Para ilustrar, vejamos outro
caso: a intervenção na atividade de produção de tomates na Finlândia. Ali, a
contradição primária era entre a qualidade do tomate e o preço. A concorrência
com tomates importados do sul da Europa levou à queda dos preços, comprometendo
a renda e a continuidade da produção local. Para enfrentar essa contradição, os
agricultores se reuniram e construíram um novo modelo de produção com foco em
maior qualidade. Uma nova variedade foi testada e implementada: um tomate de
qualidade superior, com melhor sabor e consistência.
No entanto, as regras antigas da
cooperativa de compra não permitiam diferenciar o preço, o que desestimulava os
agricultores que produziam tomates de maior qualidade. Esse é um exemplo de
contradição terciária, entre as regras antigas e o novo objeto. A cooperativa
foi envolvida no processo, e as regras foram modificadas. Contudo, novas
tensões surgiram com o mercado varejista, contradições quaternárias, cujo foco
era minimizar o preço, e não necessariamente maximizar a qualidade. Isso exigiu
a abertura de novo diálogo e aprendizado, desta vez envolvendo também o setor
varejista.
Resumo
Na Teoria da Atividade, inspirada
pela dialética materialista, a contradição é entendida como a essência de todos
os elementos de um sistema, que são formados pela união de opostos. Ao
contrário do uso cotidiano do termo — associado a problema, conflito ou dilema
—, na TA a contradição é um conceito teórico fundamental que explica o
movimento, o desenvolvimento e a inovação.
As contradições não desaparecem
nem podem ser eliminadas, pois são inerentes à realidade. Elas podem, no
entanto, ser resolvidas temporariamente, por meio de novas formas de mediação
que integram forças opostas. Esse processo dá origem ao desenvolvimento,
entendido como a resolução de contradições dentro e entre elementos de um
sistema, em uma determinada direção.
Embora não possam ser observadas
diretamente, as contradições se manifestam em distúrbios, tensões e conflitos,
que permitem formular hipóteses sobre sua natureza. Para identificá-las,
utilizam-se métodos como:
- Análise histórica – para compreender a origem e a
evolução das contradições;
- Análise de distúrbios – eventos indesejados que
revelam tensões internas ao sistema;
- Análise discursiva – observação de falas,
entrevistas e interações que evidenciam forças opostas.
No capitalismo, um exemplo
clássico de contradição é aquela entre valor de uso (utilidade de algo para
satisfazer necessidades humanas) e valor de troca (tempo de trabalho necessário
para produzi-lo, expresso ou não em dinheiro). Essa contradição é estrutural,
mas assume formas diversas em diferentes atividades, como na educação
(aprendizado x custo do trabalho docente) ou na produção de suínos
(produtividade x impactos socioambientais).
Na TA, o desenvolvimento de uma
atividade é explicado pelo ciclo de aprendizagem expansiva, em que as
contradições se manifestam e impulsionam a transformação dos sistemas de
atividade. O processo inclui fases como:
- Estado de necessidade – contradições primárias se
agravam, mas a atividade ainda se mantém.
- Vínculo duplo – as contradições secundárias criam
impasses, levando à busca de alternativas.
- Construção de um novo objeto – surgem novos modelos
ou práticas para enfrentar as tensões.
- Aplicação e generalização – experimentação e
surgimento de contradições terciárias (entre o novo e o antigo).
- Consolidação – o novo sistema se difunde, mas pode
gerar contradições quaternárias com sistemas vizinhos.
Assim, na Teoria da Atividade, a
contradição não é um problema a ser eliminado, mas o motor que impulsiona
movimento, mudança e desenvolvimento nos sistemas humanos de atividade.
CONTINUACÃO - BASE TEÓRICA DO LM (PARTE III) - APRENDIZAGEM.
Referências
Engeström, Y., & Sannino, A. (2011).
Discursive manifestations of contradictions in organizational change efforts: A
methodological framework. Journal of organizational change management, 24(3),
368-387.
Marx, K. (1990), Capital, Vol. 1, Penguin
Books, London.
Wilde, A. (1989), Marx and Contradiction,
Avebury, Aldershot.
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