1. O que é o Laboratório de Mudança: Diferenças e sua base filosófica.
Introdução ao Laboratório de Mudança?
por
Marco Antonio Pereira Querol
mapquero@gmail.com
Nas últimas décadas o Laboratório de Mudanças vem se difundindo rapidamente no Brasil e no mundo, como um método para produzir inovações, aprendizagem e formar agência. O objetivo desta primeira postagem é explicar, de forma didática, o que é o método Laboratório de Mudança, como ele se diferencia de outros métodos, e qual é a base filosófica?
Primeiramente,
para alguém que nunca tenha ouvido falar sobre o método, as próprias palavras
"Laboratório" e "Mudança" já oferecem algumas
pistas. "Laboratório" é geralmente entendido como um ambiente
protegido onde cientistas conduzem experimentos e pesquisas. Já
"Mudança" pode ser compreendida como a alteração de algo. Essas duas
palavras, que sugerem um espaço onde se combinam pesquisa e transformação, dão
pistas, mas exigem alguns esclarecimentos. Mas será que é isso mesmo?
O
leitor que já leu algo ou ouviu falar sobre o Laboratório de Mudança (LM) provavelmente o conhece como um método de
intervenção, ou seja, como uma ferramenta (Querol et al., 2011, 2020;
Virkkunen & Newnham, 2015). A definição mais comum, presente
nos livros e no primeiro artigo que apresentou o método (Engeström
et al., 1996), descreve-o como um toolkit no
qual os participantes — geralmente profissionais, trabalhadores e gestores —
identificam desafios e problemas, analisam-nos, desenham e implementam soluções
visando desenvolver seu trabalho.
Enquanto
método, o LM oferece um conjunto de instrumentos analíticos, conceitos, teorias
e modelos que auxiliam tanto o pesquisador/intervencionista quanto os
participantes a desenvolverem agência e transformarem sua atividade.
É
importante ressaltar que, embora tenha sido utilizado para desenvolvimento
organizacional, o LM é originalmente um método de pesquisa, voltado à
produção de conhecimento sobre uma atividade específica. Ao contrário de
laboratórios convencionais, no LM o conhecimento é realizado de forma
colaborativa com os participantes, onde os participantes atuam simultaneamente
para gerar conhecimento e promover transformação.
Para
entender o LM, acho interessante fazer referência à segunda tese de Karl Marx
(1845), na publicação Teses sobre Feuerbach: “Os filósofos
apenas interpretaram o mundo de maneiras diferentes; o que importa é
transformá-lo.” A ideia de um LM é justamente combinar dois
objetos: produzir conhecimento e resolver problemas sociais.
Do
ponto de vista prático, um Laboratório de Mudança pode ser compreendido também
como um espaço físico e social onde ocorre uma análise, modelagem e
desenvolvimento do trabalho. Fisicamente, o LM geralmente acontece próximo
ao chão de fábrica (shop floor) ou ao ambiente de
trabalho. Esse espaço deve estar localizado de forma acessível aos
participantes, para que eles se sintam parte da intervenção e percebam sua
relevância em relação ao próprio trabalho. No entanto, é fundamental que esse
espaço seja protegido — no sentido de garantir um ambiente seguro
onde as pessoas possam se expressar livremente, sem medo de represálias.
Trata-se também de um espaço social, onde indivíduos se reúnem para analisar
coletivamente sua atividade. A configuração física desses espaços,
bem como sua composição social (quem participa, como se organiza), é
uma questão importante e será abordada em uma postagem específica dedicada a
esse tema.
Diferenças
entre o Laboratório de Mudança e outros métodos
Para
alguém que esteja apenas passando e veja uma reunião de um LM, ou para quem
participa pela primeira vez, a impressão inicial pode ser a de que se trata
apenas de mais uma reunião, ou talvez de uma sequência de reuniões ou oficinas.
No entanto, logo se nota algo diferente: o uso de modelos
representacionais, como, por exemplo, triângulos, esquemas e gráficos
conceituais. Esses modelos não estão ali por acaso — eles têm um papel central
no processo, ajudando os participantes a representarem, analisar e transformar
a atividade em questão.
Um
aprofundamento no método revela duas diferenças importantes em relação a outros
métodos que o tornam, ao mesmo tempo, especialmente poderoso e desafiador de
ser implementado. Essas diferenças estão relacionadas à sua base teórica e
filosófica. O LM é fundamentado na Teoria Histórico-Cultural da Atividade,
uma abordagem teórica originada na psicologia russa, que iniciou com Lev
Vygotsky na década de 1930 e se difundiu no Ocidente a partir da década de
1980.
Inicialmente,
essa teoria foi utilizada para compreender fenômenos psicológicos, como a
formação dos chamados processos psicológicos superiores, como a memória e
a consciência. No final do século passado, a teoria passou a ser
utilizada não apenas para compreender, mas também para transformar
atividades humanas coletivas. Atualmente, a Teoria da
Atividade é aplicada não só na área da educação — onde tem grande
influência — mas também em campos como a administração, a saúde e as
engenharias. Irei apresentar a teoria com mais profundidade em outra
postagem sobre a base teórica. Por ora, basta dizer que, quanto mais o
pesquisador-intervencionista compreende essa base teórica, maior será sua
capacidade de guiar o processo de aprendizado rumo a soluções mais profundas e
transformadoras. O paradoxo, no entanto, é que a teoria se aprende
verdadeiramente, na prática, tanto para interpretar o mundo, como
transformando-o.
A
minha definição é que o LM é uma atividade de produção de outra atividade.
Em outras palavras, trata-se de uma atividade cujo objeto é outra
atividade. É considerada uma atividade porque é composta por ações de
aprendizagem (por exemplo: questionamento, análise, modelagem, exame,
implementação, avaliação e consolidação) realizadas por um coletivo, com o
objetivo de transformar o objeto de uma atividade existente. Sendo uma
atividade, ela envolve pessoas que atuam segundo regras e uma divisão de
tarefas, ocorre em um espaço físico e social e é mediada por ferramentas
integradas à Teoria Histórico-Cultural da Atividade. Essa concepção abrange
todas as definições anteriores: o LM como método, como espaço físico e como
espaço social.
Intervenção
formativa
Além de sua base teórica, o Laboratório de Mudança apresenta diferenças
importantes em relação às intervenções tradicionais de mudança. Em intervenções
convencionais, o problema costuma ser previamente definido, cabendo aos
participantes apenas a busca por soluções. Já o LM configura-se como uma
intervenção formativa, cujo potencial é favorecer um tipo particular de
aprendizagem: o aprendizado expansivo.
O
aprendizado expansivo consiste na transformação do objeto da atividade — isto
é, sua motivação e finalidade, aquilo que orienta as ações e define o
que se deseja produzir ou transformar. Isso não significa, entretanto, que todo
LM necessariamente conduza ou deva conduzir ao aprendizado expansivo; trata-se
de uma possibilidade aberta pela intervenção, mas não de um resultado
garantido.
Cada
LM é singular, pois envolve problemas distintos, diferentes coletivos de
participantes e contextos socioculturais específicos. Por essa razão, as
intervenções precisam ser sempre adaptadas às condições concretas em que se
desenvolvem. Ainda assim, alguns elementos estruturantes são comuns a todos os
LMs, entre eles:
- a
unidade básica de análise é no mínimo um sistema de atividade;
- o
aprendizado expansivo ocorre por meio da compreensão das contradições
presentes nos elementos internos de um sistema de atividade ou nas
relações entre sistemas;
- o
método do abstrato ao concreto;
- o
método da estimulação dupla.
As
três primeiras características serão discutidas em postagens posteriores.
Nesta, destacamos a noção de estimulação dupla, que receberá maior atenção a
seguir.
Estimulação
Dupla
O método ou princípio de Estimulação Dupla, proposto por
Vygotsky (1978, p. 74-75), é central no LM (Vygotsky, 1978). Como van
der Veer e Valsiner (Van der Veer & Valsiner, 1991) apresentam,
a ideia da estimulação dupla consiste em uma situação em que o sujeito é
colocado em uma situação problemática e recebe instruções para a construção de
meios para resolvê-la. No experimento inicial em que Vygotsky (1978) apresenta
o método, uma criança é colocada diante de um problema acima de sua capacidade
de resolução, e se observa como ela adota um estímulo neutro e o transforma em
um símbolo, incorporando-o na ação de resolução do problema. A adoção do novo estímulo modifica a
estrutura da operação empoderando a criança a resolver o problema.
O pesquisador não tem controle sobre
o segundo estímulo, ou seja, não pode determinar se ele será utilizado pelos
participantes nem como será interpretado por eles. Mesmo quando o pesquisador
apresenta o estímulo aos participantes, eles podem ressignificá-los, criando um
novo fenômeno psicológico que difere do originalmente planejado pelo
pesquisador (Vygotsky,
1997).
Dessa forma o artefato mediador gera agência no sujeito. Vygotsky afirma (1997,
p. 212):
A pessoa, usando o poder das coisas
ou estímulos, controla seu próprio comportamento através deles, agrupando-os,
reunindo-os e classificando-os. Em outras palavras, a grande singularidade da
vontade consiste em um homem não ter poder sobre seu próprio comportamento além
do poder que as coisas têm sobre ele. O homem submete o poder das coisas ao seu
comportamento, faz com que elas sirvam aos seus propósitos e controlem o poder
que ele quiser. Ele muda o ambiente com a atividade externa e, dessa maneira,
afeta seu próprio comportamento, sujeitando-o à sua própria autoridade.
O método de estimulação dupla não se
limita a crianças. Como apontado por Vygotsky (1978), o método aponta para manifestação
de processos no comportamento de pessoas de todas as idades. Ele dá o exemplo
de uma pessoa que amarra um nó para lembrar de algo. O nó adquire um
significado no qual as pessoas criam um significado para um estímulo neutro em
um novo contexto de resolução de problema. Portanto, o método envolve dois
estímulos, um primeiro estímulo que é a situação problema; e um segundo
estímulo que é um artefato mediador. O segundo estímulo pode ou não ser
oferecido pelo pesquisador; ele também pode ser trazido ou criado
espontaneamente pelos sujeitos.
A estimulação dupla ocorre
diariamente no nosso cotidiano, não somente ao nível individual, mas também ao
nível coletivo para estimular ações coletivas através do uso de artefatos
compartilhados. No LM, a tarefa ou o chamado primeiro estímulo é representado
pelo dado espelho, no qual é apresentada uma situação, um problema, um
distúrbio(Engeström,
2007).
Um exemplo de dado espelho é uma fala ou um vídeo onde se mostra a ocorrência do
problema. O primeiro estímulo tem a função de criar um conflito de motivos (Sannino, 2015), uma
situação na qual o sujeito quer alcançar algo, mas não consegue por meio dos
meios que possui. Para resolver tal tarefa, os participantes fazem uso de um
segundo estímulo, um instrumento/artefato conceitual neutro que pode ser
trazido ou construído pelos participantes, ou pelo intervencionista.
Engeström (2007) questiona a ideia
de Vygotsky de que o segundo estímulo deve ser neutro. Ele argumenta que nenhum
estímulo é realmente neutro, já que todo artefato carrega implicitamente
possibilidades de ação historicamente inscritas. Por exemplo, nem uma folha de
papel em branco é neutra, pois convida a ações de escrever e desenhar. Segundo
Engeström (2007), Vygotsky não tinha a intenção de que a ideia de neutralidade
fosse adotada em termos absolutos. Engeström sugere que, em vez de recorrer a
uma neutralidade absoluta, é mais eficaz definir o potencial segundo estímulo
como algo que ofereça possibilidades de ação culturalmente apropriadas, mas que
também apresente ambiguidade e maleabilidade suficientes, de modo que o sujeito
seja levado a transformá-lo em um dispositivo mediador eficaz, preenchendo-o
com conteúdo específicos.
O segundo estímulo pode ser um
artefato cultural, por exemplo, um conceito ou um modelo usado para fazer
sentido e resolver a tarefa em questão. No LM, são geralmente usados como
segundo estímulo o SA e o Ciclo de Aprendizagem Expansiva. Porém, conceitos e
modelos intermediários[1]
também são necessários para conectar os dados concretos e os modelos abstratos
da TAHC. Portanto, um LM raramente se restringe a conceitos e modelos da THCA.
Tal necessidade de complementação com conceitos intermediários é explicitada
desde a primeira publicação do método em 1996, na qual os autores apresentaram
o esquema do LM (Engeström et al. 1996).
A base filosófica da dialética materialista
Como
mencionado anteriormente, a Teoria da Atividade — e, consequentemente, o
Laboratório de Mudança — baseia-se na dialética materialista, uma
abordagem desenvolvida por Marx e Engels, com base nas contribuições
de Hegel. No entanto, o pensamento dialético é muito mais antigo,
remontando aos primeiros filósofos gregos, como Heráclito, Sócrates e Aristóteles.
Uma das particularidades da dialética materialista é a ênfase
na história e na realidade material como elementos centrais
para compreender o mundo e suas transformações.
[1] Conceitos e modelos intermediários
são artefatos que tem nível de abstração entre os dados concretos e conceitos
mais abstratos. Em outras palavras são representações que interpretam os dados
concretos, porém não representações de representações.
Pensar
de forma dialética é particularmente desafiador para pessoas formadas na
tradição ocidental. Estamos acostumados a compreender o mundo a partir da
suposição de que os elementos existem de forma separada e estável, e que a
mudança, quando ocorre, resulta de influências externas, seguindo uma
lógica linear de causa e efeito. No meu caso, foram necessários vários
anos até que eu começasse a entender e aplicar os princípios da dialética —
tanto nas intervenções quanto no cotidiano. Portanto, não se sinta sozinho
nem se desespere — esse é um processo de aprendizado contínuo.
A dialética
materialista se baseia em três princípios
fundamentais: movimento, contradição e relações internas.
Movimento
Nós,
humanos, nem sempre gostamos da ideia de que tudo está em
constante transformação. Tendemos a
buscar certezas e estabilidade. Precisamos acreditar que as
coisas são fixas, estáveis e duradouras — caso contrário, tomar decisões se
torna algo difícil e desconfortável. Nossa relação com a mudança e
o aprendizado é contraditória: ao mesmo tempo, em que temos o
instinto da curiosidade e da exploração para se adaptar ao
ambiente em mudança, aprender algo novo — literalmente falando —
exige energia. Apesar de sermos capazes e precisarmos constantemente
aprender, o surgimento de discrepâncias cognitivas (ou seja,
informações e conhecimentos contraditórios) nos causa desconforto
psicológico e até físico, o que naturalmente tendemos a evitar. Portanto,
preferimos pensar que o mundo é feito de elementos estáticos e estáveis.
A noção
de movimento não é nova, ela se remonta, pelo menos, ao século VI
a.C., com o filósofo grego Heráclito, que afirmava que o mundo está em
fluxo contínuo e é constituído por opostos. Nada é permanente. As coisas
surgem, existem de formas diferentes ao longo do tempo e nunca serão exatamente
as mesmas em dois momentos consecutivos — até deixarem de existir. Ou seja, as
coisas não são objetos estáveis, mas estão em perpétua transição.
Heráclito sugeria que, embora as coisas pareçam ser objetos fixos, na
verdade, são (Magee, 1999). No entanto, Heráclito e
a dialética nos lembram que a estabilidade é uma ilusão:
a mudança é a lei da vida e do universo.
Na
dialética, movimento não significa apenas processo, mas implica que
tudo está em constante transformação. Tudo tem um começo e um fim; as
coisas nascem e morrem. O movimento não é uma propriedade da
matéria — ele é sua essência, sua forma de existência.
Relações
internas
No
cotidiano, tendemos a ver as coisas
como separadas e independentes. As ciências, por exemplo, são
divididas em biologia, matemática, linguagens etc. Os sistemas são compostos
por elementos ou partes, os processos são organizados em etapas, e assim por
diante. As coisas parecem existir por si mesmas. Essas são abstrações que
fazemos para poder compreender o mundo ao redor. Na dialética, porém,
a noção de relações internas afirma que nada existe de forma isolada.
A essência de algo está justamente em suas relações. Uma coisa
"em si mesma" é uma abstração vazia. O mundo consiste
inteiramente em relações internas. Qualquer elemento retirado de suas
relações deixa de existir como tal (Tolman, 1981).
Um
exemplo é a noção de ferramenta. Sob uma perspectiva dialética, uma
ferramenta não existe por si só: ela está ligada à pessoa que a criou, a quem a
utiliza, ao conhecimento que a sustenta e ao objeto que ela visa
transformar. Poderíamos ir além e dizer que ela não existe fora de um
contexto histórico, sociocultural, político e econômico.
Para
entender algo em profundidade, sob uma perspectiva dialética, é necessário
vê-lo em suas relações. Claro, devido às limitações humanas, analisar
todas as relações possíveis seria inviável. Por isso, a análise dialética
recorre a uma abordagem histórica e desenvolvimentista, utilizando o
chamado método do abstrato ao concreto — que será discutido em outra
postagem.
Contradição
No
pensamento comum, a mudança costuma ser vista como uma resposta a
situações em que não conseguimos alcançar o que desejamos ou a eventos
indesejados. Esses eventos são normalmente conceituados
como problemas, distúrbios, desafios, conflitos, limitações ou barreiras.
Tais
fenômenos são, em geral, compreendidos de
forma unidimensional e unidirecional — por exemplo, como
a falta de algo que precisa ser suprido ou como algo
errado que deve ser removido ou substituído. No entanto, a realidade nos
mostra que a vida é, em sua essência, contraditória. Se fosse apenas uma
questão de ausência, a solução seria simples: bastaria introduzir o que falta.
O que realmente ocorre é que sempre existem forças opostas em tensão.
A
noção de contradição não é exclusiva da dialética e remonta também ao
filósofo grego Heráclito, que propôs a ideia da unidade dos opostos.
Segundo ele, o caminho de descida e o caminho de subida não são dois caminhos
distintos, mas a mesma coisa, vista sob diferentes perspectivas. Tudo é
uma reunião de opostos ou de tendências opostas. Heráclito
sugere que a luta e a contradição não devem ser evitadas,
pois é a partir delas que o mundo se constitui. Eliminar a contradição seria
eliminar a própria realidade (Magee, 1999).
Apesar
de discrepâncias e ideias opostas serem reconhecidas em muitas teorias da
aprendizagem, em minha visão esse conceito permanece subconceitualizado, por
falhar em reconhecer que essas discrepâncias são, na verdade, manifestações de
contradições — ou seja, forças opostas reais que existem no mundo. A oposição é
frequentemente interpretada como consequência de mudanças externas, algo que
deve ser corrigido ou evitado.
Na
dialética, no entanto, as contradições são compreendidas como forças internas
opostas, mutuamente excludentes. A contradição é vista como a origem do
movimento e da vitalidade, pois é justamente na tentativa de resolver
contradições internas que o movimento ocorre. Como apontou o filósofo Hegel, a
contradição deve ser compreendida como uma lei que expressa a verdade e a
essência das coisas. A dialética busca oferecer meios para lidar racionalmente
com a contradição e compreender seu papel no auto movimento dos sistemas
(Tolman, 1981).
Desenvolvimento
O
conceito de desenvolvimento se sobrepõe aos outros três princípios, por isso
não o considero um quarto princípio. Na dialética, desenvolvimento é entendido
como o próprio movimento gerado pela resolução das contradições de um sistema.
Em outras palavras, desenvolver significa resolver contradições. No entanto, ao
contrário do conceito de mudança, que pode ocorrer de forma aleatória ou sem
direção definida, o desenvolvimento segue uma direção — ainda que não linear ou
previsível, ele aponta para transformações qualitativas na estrutura do
sistema.
Por exemplo, a forma de produção de suínos moderna e industrializada — baseada em grande número de animais em espaços reduzidos, com uso intensivo de tecnologias — leva a consequências como degradação ambiental, sofrimento animal e redução geral da qualidade do produto, entre outras. Portanto existem duas forças opostas, uma em direção a produtividade, eficiência e redução e custo e a outra em direção a degradação ambiental e qualidade em geral. Essa contradição é interna ao sistema de produção e, mais cedo ou mais tarde, essas forças opostas levarão à emergência de um novo sistema que buscará resolvê-las. No entanto, novas contradições inevitavelmente surgirão, dando continuidade a um movimento constante de desenvolvimento.
Resumo
O
objetivo desta publicação foi discutir três perguntas: o que é o método
Laboratório de Mudança e como ele se diferencia de outros métodos? Qual é a sua
base filosófica?
O
que é o Laboratório de Mudança?
A
resposta é que o Laboratório de Mudança é mais do que uma
ferramenta ou um espaço físico e social. Trata-se de uma atividade de
aprendizagem expansiva, inicialmente temporária, mas com a intenção de se
tornar mais permanente. O LM é, essencialmente, uma atividade voltada à
transformação de outra atividade. Por ser uma atividade, ele
é coletivo e composto por ações de aprendizagem, como:
questionamento, análise, modelagem, experimentação, implementação, avaliação e
difusão. Além das pessoas envolvidas, o LM utiliza ferramentas, conceitos,
teorias e princípios provenientes da Teoria Histórico-Cultural da
Atividade. Como toda atividade, o LM possui um objeto — no caso,
um sistema de atividade existente que está sendo transformado em
colaboração entre o pesquisador-intervencionista e os participantes. Trata-se,
portanto, de uma atividade mediada e intencionalmente voltada à mudança de
práticas, relações e estruturas de trabalho.
O
que diferencia o LM de outros métodos ou metodologias intervencionistas?
De
maneira simplificada, a resposta é que o LM visa à aprendizagem expansiva de
forma colaborativa com os profissionais de uma atividade. Para isso, utiliza
ferramentas da Teoria Histórico-Cultural da Atividade (como o sistema de
atividade como unidade de análise, o princípio da estimulação dupla, entre
outras) e tem como base filosófica a dialética materialista, que orienta a
forma como o mundo é compreendido e como o conhecimento é produzido.
Qual
é a base filosófica do LM?
É
a dialética materialista, que se apoia em três princípios básicos: movimento,
relações internas e contradições como força de desenvolvimento. A ideia central
é que tudo está em movimento, em constante transformação: começo, meio e fim.
Esse movimento ocorre a partir da relação entre objetos, que não existem por si
mesmos, mas cuja essência está nas relações. E o movimento acontece por meio da
resolução de contradições, ou seja, forças opostas inerentes aos elementos do
sistema.
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PROXIMA POSTAGEM - Base Teórica - Sistema de Atividade
Agradecimentos
Agradeço a Renata Matsmoto pelos comentários e sugestões.
Sobre o autor
Marco Antonio Pereira Querol é professor associado no Departamento de Engenharia Agronômica da Universidade Federal de Sergipe (UFS), onde leciona Sociologia Rural, Extensão Rural e Movimentos
Sociais. Sua pesquisa concentra-se em Inovação, Sustentabilidade, Aprendizagem Organizacional, Teoria da Atividade Histórico-Cultural e Metodologias Intervencionistas, com ênfase especial no Laboratório de Mudança.
ORCID:
0000-0003-3815-1835.
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