Pesquisa intervencionista
Precisamos de pesquisa intervencionista?
O que é pesquisa intervencionista? Precisamos
dela? Se sim, por quê? O que isso significa para minha pesquisa? Infelizmente,
os desafios que enfrentamos hoje em dia não nos dão tempo para esperar. Devemos
acelerar o processo de mudança de paradigma na atual geração de pesquisadores e
rapidamente. Mas como? Primeiro, colocando a discussão na mesa. Tomar
consciência do problema é o primeiro passo para resolvê-lo.
O objetivo desta postagem é iniciar uma
discussão sobre se, e porque a pesquisa intervencionista (PI) é necessária. Começo
argumentando que a PI é particularmente relevante devido às limitações dos
laboratórios e da pesquisa de campo em tempos de rápida transformação em que os
objetos são instáveis e incontroláveis. Continuamos apresentando os três
modelos de produção de conhecimento: laboratórios, pesquisa de campo e
intervencionista sugeridos por (Hatchuel, 2000). Concordamos com Hatchuel (2000) que as PI
não substituirão esses outros modelos de produção de conhecimento, mas
provavelmente serão integradas e/ou complementarão entre si.
Quais são os modelos atuais de produção de
conhecimento?
Hatchuel (2000) faz uma diferenciação
entre métodos de produção de conhecimento (por exemplo, método experimental) e
disciplinas (por exemplo, biologia, matemática, medicina, administração, etc.).
A disciplina refere-se ao objeto de investigação que estamos tomando para
análise, enquanto os métodos de produção de conhecimento referem-se às
condições de representação tanto do mundo quanto de nós. A produção de
conhecimento é transdisciplinar. Esses métodos são modelos universais de ação,
mediados por suposições.
O método experimental, por exemplo, que é
hoje um modo predominante de produção de conhecimento em Proteção de Plantas é
baseado na estratificação, reputabilidade, controle de variáveis e condições, o
que permitiria análise estatística e cálculo de probabilidade.
Conforme observado por Hatchuel, existem
três modelos de produção de conhecimento: pesquisa de laboratório, pesquisa de
campo e pesquisa intervencionista (Hatchuel, 2000).
O modelo de laboratório surgiu durante os
séculos 17 e 18. Nesse modelo, o pesquisador – considerado um mestre – manipula
entidades sob condições controladas. O pesquisador define as perguntas,
classifica os objetos em grupos, conduz testes e assim por diante. Nesse
contexto, a intervenção externa é proibida, uma vez que o método requer
independência e controle estrito.
O modelo de pesquisa de campo consiste em
estudar objetos que não podem ser manipulados naturalizando-os para observá-los
e analisá-los. Pode ser aplicado a fenômenos naturais e sociais. Nesse caso, o
pesquisador separa a si mesmo e suas ações do sistema em estudo,
posicionando-se como um observador neutro. Naturalizar significa estabilizar um
objeto de estudo e isolá-lo da influência de fatores externos. Em algumas
ciências, como a administração, esse processo é particularmente difícil porque
indicadores, abordagens, ferramentas e atores estão em constante mudança. Os
objetos de gerenciamento não são fixos, mas se transformam continuamente. Para
compreender tais fenômenos dinâmicos e evolutivos, torna-se necessária a
pesquisa intervencionista, pois permite ao pesquisador se envolver e
influenciar o sistema para revelar.
O que é Pesquisa Intervencionista?
A definição de intervenção do dicionário
de Cambridge é ação intencional para mudar uma situação, com o objetivo de
melhorá-la ou impedir que piore. No campo da teoria de sistemas, intervenção é definida
como ação propositada de um agente humano, com o objetivo de gerar mudança (Midgley, 2000). Virkkunen e Newnham (2013) redefinem
essa como o falarmos sobre “ação propositada, da parte de um agente humano, a
fim de auxiliar o redirecionamento da mudança em curso” (Virkkunen & Newnham, 2013).
No que tange a atividade de pesquisa, uma
pesquisa intervencionista se diferencia pela característica de que o pesquisador
está diretamente envolvido interferindo e produzindo mudanças no sistema sob
estudo, em vez de apenas observar de forma “neutra”.
Como apontado por Hatchuel (2000) uma das
suposições fundamentais da pesquisa intervencionista é que conhecimento e ação
não são duas coisas separadas, mas parte de uma das mesmas coisas. O conhecimento é parte constitutiva da ação.
O objeto das PI é a ação coletiva. O conhecimento é um meio de transformar o
mundo. A ação coletiva no mundo real muitas vezes requer conhecimento que ainda
existe, nem resposta pronta, nem estrutura pronta e rede de atores. Eles devem
ser construídos. Esses tipos de problemas são de natureza contraditória, o que
significa que não existe uma solução única, mas várias concorrentes e opostas.
Requer o que é chamado de cognição epistêmica, o que significa indagar a
concepção do problema e como é possível resolvê-lo.
Isso não significa que a produção de
conhecimento não esteja envolvida, mas o conhecimento é apenas parte dela. Os
pesquisadores não produzirão o conhecimento para mudar o mundo. Eles produzirão
conhecimento mudando o mundo. A ação coletiva ainda exige novos conhecimentos,
novos meios, nova estrutura, novos atores.
Na pesquisa intervencionista, o
pesquisador se torna um ator, não apenas um observador. O objeto de pesquisa
torna-se uma ação coletiva, que considera tanto a reconstrução de saberes
quanto de relações (organização de posições e interdependências dos atores).
Por que precisamos de PI?
Kitchner
(1983) aponta que existem dois tipos de problemas: quebra-cabeças e problemas
mal estruturados. Esses dois tipos de problemas diferem tanto em sua natureza
epistêmica (isto é, nas maneiras pelas quais podem ser conhecidos) quanto nos
procedimentos de tomada de decisão necessários para resolvê-los. Para problemas
de quebra-cabeça, existem soluções corretas e cognoscíveis, enquanto problemas
mal estruturados são aqueles para os quais existem suposições, evidências e
opiniões conflitantes que podem levar a soluções diferentes e até
contraditórias. Para resolver o primeiro, os processos metacognitivos são
suficientes; para o segundo, são necessários processos cognitivos epistêmicos -
isto é, questionar as maneiras pelas quais o conhecimento é produzido (Kitchner, 1983).
Os
problemas de quebra-cabeça têm uma única resposta, correta ou incorreta, que
está disponível para o indivíduo. A tarefa, portanto, é aplicar um procedimento
de tomada de decisão particular e mecânico para encontrá-lo. Os quebra-cabeças
não exigem a consideração de argumentos alternativos, a busca de novas
evidências ou a avaliação da confiabilidade dos dados e fontes de informação
(Kitchner, 1983).
Para
problemas mal estruturados, não existem soluções únicas. São problemas que
normalmente têm mais de uma conceituação ou solução potencialmente válida. O
dilema está em decidir quais pressupostos teóricos melhor se encaixam no
problema e nas evidências disponíveis, ou como integrá-los em uma única
solução. As soluções possíveis são divergentes ou contraditórias. A solução
para esse tipo de problema envolve reformular uma ou várias dessas perspectivas
em um modelo mais geral do problema, ou redefini-lo (Kitchner, 1983).
Kitchner
(1983) argumenta que certos tipos de problemas exigem questionar suposições
mais profundas sobre a compreensão do problema, sua solução e como alcançá-lo.
Em outras palavras, eles requerem cognição epistêmica.
A
palavra epistêmica refere-se ao conhecimento sobre como o conhecimento é
gerado. Nesse nível superior, o indivíduo toma consciência não apenas de seus
próprios pensamentos, mas também do processo utilizado para gerar conhecimento
(Kitchner, 1983, p. 225).
Kitchner (1983) sugere a existência de
três níveis de cognição. No primeiro nível de cognição, os indivíduos realizam
tarefas cognitivas básicas, como calcular, memorizar, ler, perceber e adquirir
a linguagem. São processos pré-monitorados sobre os quais o conhecimento do
mundo é construído. O segundo nível, metacognição, refere-se a processos usados
para monitorar e regular o progresso cognitivo durante a execução de tarefas de
nível 1. Isso inclui o conhecimento sobre tarefas cognitivas, as estratégias para
resolvê-las, quando e como aplicar essas estratégias e avaliar seu sucesso ou
fracasso. O terceiro nível, cognição epistêmica, envolve o monitoramento da
natureza epistêmica dos problemas e do valor de verdade das soluções
alternativas. Inclui a consciência dos limites e a certeza do conhecimento, bem
como estratégias para avaliar e escolher soluções adequadas para diferentes
tipos de problemas.
Juntos, a natureza dos problemas e a
crescente instabilidade do objeto da pesquisa agrícola exigem cognição
epistêmica. Significa questionar o problema e a forma como o conhecimento de
suas soluções é produzido. Muitos dos problemas enfrentados na agricultura hoje
em dia exigem a mudança da epistemologia do conhecimento para a ação.
Quais são os pré-requisitos para a
realização de uma pesquisa intervencionista?
Hatchuel (2000) aponta três pré-requisitos
para implementar a PI. O primeiro pré-requisito é reconhecer a natureza da ação
coletiva: ela não pode ser reduzida a um único ator, uma regra universal ou um
modelo mecânico de causa e efeito. É sempre complexo, relacional e situado. A
segunda é que a pesquisa-intervenção busca tornar compreensível o que, em um
momento de crise ou disfunção, se tornou confuso ou caótico. Isso significa
ajudar os atores envolvidos a recuperar sua capacidade de ação coletiva,
reconstruindo significados e referências que lhes permitam lidar com a
situação. Em terceiro lugar, busca reconstruir os atores e a legitimidade por
meio da ação coletiva. No cerne da pesquisa-intervenção está a ideia de que a
ação coletiva é um processo de aprendizagem. Não se trata simplesmente de
aplicar regras, implementar planos, seguir regulamentos ou pré-definir quem são
os atores legítimos. Em vez disso, os próprios atores são transformados e
ganham legitimidade no próprio processo de agir coletivamente, criando seus
próprios princípios de racionalização.
A realização de pesquisas
intervencionistas requer uma teoria do design que permita aos atores entenderem
a ação coletiva e gerar novos conhecimentos e relacionamentos simultaneamente.
Este modelo é exigente tanto do ponto de vista teórico quanto prático e
normalmente envolve esforço sustentado e de longo prazo. A implementação de
pesquisas intervencionistas também requer o desenvolvimento de novos conceitos
e ferramentas de visualização para apoiar e viabilizar a produção de ações
coletivas.
Podem os Living Labs ser considerados pesquisa
intervencionista? Eles podem ser, mas não necessariamente são. Envolver
agricultores e outras partes interessadas não necessariamente torna um
intervencionista de pesquisa. A pesquisa intervencionista não se trata apenas
de produzir conhecimento em conjunto com outros atores. É claro que, ao fazê-lo, o objeto de pesquisa
pode se tornar mais relevante, mas não necessariamente direciona para a
produção de uma ação coletiva. Um laboratório vivo pode ser intervencionista se
tiver como objetivo transformar o objeto de estudo.
Referências
Hatchuel, A.
(2000). Intervention research and the production of knowledge. Cow up a
tree. Knowing and learning for change in agriculture. Case studies from
industrialised countries. Science Update, INRA Editions, Paris, 55–68.
Kitchner, K. S. (1983). Cognition, metacognition, and
epistemic cognition: A three-level model of cognitive processing. Human
development, 26(4), 222–232.
Midgley, G. (2000). Systemic Intervention. Em G.
Midgley (Org.), Systemic Intervention: Philosophy, Methodology, and Practice
(p. 113–133). Springer US. https://doi.org/10.1007/978-1-4615-4201-8_6
Virkkunen, J., & Newnham, D. (2013). The change
laboratory: A tool for collaborative development of work and education. Springer Science & Business Media.
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