O que é o aprendizado expansivo?
Aprendizado Expansivo
Texto
de Prof. Marco Querol
Segundo
Engeström (1987), a aprendizagem expansiva ocorre quando o objeto da atividade
é expandido, ou seja, ele qualitativamente se enriquece visando resolver uma ou
mais contradições no sistema de atividades (Engeström, 1987, 2002, 2008, 2016).
Como já foi mencionado, o conceito de
objeto de uma atividade não é estático: ele pode se expandir, transformando
tanto a compreensão do problema quanto nos resultados esperados. A expansão
pode ser entendida como uma mudança qualitativa no objeto, geralmente um
enriquecimento de suas qualidades, visando a resolução de contradições dentro e
entre elementos de sistemas de atividades (Figura 5).
Figura 1 Representação da expansão de um objete de
uma atividade.
Para ilustrar o processo de expansão
peguemos como exemplo, a expansão da concepção da doença aterosclerose.
Concepção 1 – Objeto restrito
Inicialmente, a aterosclerose era
entendida principalmente como um problema de colesterol elevado e pressão
arterial alta. O objeto da atividade médica era, portanto, controlar esses
dois indicadores biológicos.
- Alvo: colesterol e pressão arterial.
- Solução
típica: uso de
medicamentos como losartana (para pressão) e atorvastatina (para
colesterol).
- Resultados: redução parcial dos riscos, mas com
foco limitado no tratamento da doença já instalada.
Concepção 2 – Objeto expandido
Com o tempo, a concepção da doença se
ampliou. Passou-se a reconhecer que a aterosclerose não é apenas resultado de
fatores biológicos isolados, mas consequência de um estilo de vida não
saudável. O objeto da atividade se expandiu: deixou de ser apenas
“colesterol e pressão” para incluir a vida cotidiana do paciente.
- Alvo: estilo de vida do paciente.
- Solução
típica: programas de
reeducação alimentar, prática de exercícios físicos, controle de estresse,
apoio psicológico.
- Resultados: não apenas tratamento, mas também prevenção,
melhoria da qualidade de vida e redução significativa da progressão da
doença.
Transformação da prática
Esse processo de expansão do objeto
transformou a própria atividade médica: de uma prática centrada em prescrição
de fármacos para uma abordagem multiprofissional e preventiva, envolvendo
médicos, nutricionistas, fisioterapeutas e psicólogos. Assim, os resultados
também se transformaram, de controle parcial da doença para uma melhora global
na saúde do paciente.
As
atividades humanas se desenvolvem de forma cíclica. Baseado na proposta de
ações de aprendizagem de Davydov, Engeström (1987) propõe um modelo de
sequência ideal-típica de ações de aprendizagem em um ciclo expansivo (Figura
1).
Figura 2 Ações de Aprendizado expansivo.
A
primeira ação, chamada de questionamento se refere a questionar, criticar ou
rejeitar alguns aspectos da prática aceita e do conhecimento existente. A
segunda ação é a análise, a qual envolve descobrir causas ou mecanismos
explicativos. A análise envolve perguntas do tipo “por quê?” e princípios
explicativos. A terceira ação é a de modelagem de novo objeto e um novo modelo
do sistema de atividade. Isso envolve construir um artefato, que possa ser
compartilhado, observável e transmissível, que representa a nova ideia criada
que tem o potencial de resolver as contradições do sistema. A quarta ação é a
de examinar o modelo, ou seja, conduzir uma avaliação mental do que pode dar
certo e do que pode dar errado ao executá-lo. A quinta ação é a de implementar
o modelo na prática. Esse processo requer muitas vezes voltar no ciclo a
análise e modelagem, pois contradições entre o novo e o velho, e entre o
sistema e sistemas vizinhos tente a surgir. A sexta e a sétima ações são as de
refletir e avaliar o processo e consolidar seus resultados em uma nova forma
estável de prática.
Ciclo
de aprendizado expansivo
Agora irei apresentar o ciclo de
aprendizagem expansivo proposto por Engeström (1987) chamado aqui de ciclo
de desenvolvimento expansivo para não confundir o ciclo com o mesmo nome
que apresenta as ações de aprendizado expansivo.
Como o nome sugere, esse ciclo apresenta
as fases de desenvolvimento da atividade, e o tipo de contradições
predominantes em cada fase. O ciclo pode ser usado, por exemplo, para o
pesquisador intervencionista e os participantes formularem hipótese de qual
fase no ciclo a atividade que está sendo analisada se encontra, portanto qual
é o tipo predominante de contradições
presentes na atividade.
Segundo Engeström (1987) as atividades
humanas funcionam de forma cíclica. Estes ciclos podem ser repetitivos,
contrativos ou expansivos. Repetitivos são ciclos onde não há uma expansão do
objeto, ou seja, não se transforma qualitativamente a motivação ou propósito da
atividade. Os ciclos contrativos é quando o novo objeto perde propriedades, ou
seja, é qualitativamente mais pobre, com menos propriedades. Já o ciclo
expansivo se refere ao aumento, enriquecimento das características do
objeto-propósito.
Um exemplo de expansão do objeto pode ser
observado na atividade de serviços médicos, quando ocorre a mudança de uma
abordagem reativa, voltada ao tratamento de sintomas, para uma abordagem
preventiva. Nesse caso, há uma expansão da dimensão temporal. Outro exemplo é
quando um médico deixa de focar apenas em uma parte específica do corpo do
paciente (coração, olhos etc.) e passa a considerar o corpo como um todo e a
interação entre as partes. Por exemplo, um cardiologista pode deixar de
compreender uma doença cardiovascular apenas como mau funcionamento do sistema
e prescrever remédios, para entendê-la também como consequência da alimentação
e do estilo de vida do paciente, que devem ser considerados no tratamento.
Nesse caso, há uma expansão socioespacial do objeto.
O processo de desenvolvimento expansivo se
inicia quando as contradições primárias de uma atividade já consolidada começam
a se agravar, levando-a a um estado de necessidade. Nessa fase, há
manifestações da contradição primária, mas os sujeitos ainda conseguem manter a
atividade funcionando — como se costuma dizer, “empurrando o problema com a
barriga”. Essa fase é chamada de ESTADO DE NECESSIDADE (fase 1 na Figura
1): sabe-se que é preciso mudar, mas a atividade continua sendo realizada da
mesma forma.
Figura 3 Ciclo de Desenvolvimento Expansivo
(Engeström, 1987).
Vamos retomar o exemplo da atividade de
produção de suínos. Como mencionado, a produção industrial de suínos apresenta
uma contradição primária: por um lado, é relativamente mais produtiva graças à
mecanização e à produção intensiva, reduzindo custos e garantindo alta produção
em menor espaço e tempo; por outro, gera elevado impacto socioambiental. Um
exemplo é a poluição causada pelas fezes dos animais e pela alta concentração
deles em pequenas áreas, contaminando rios e o lençol freático, além de provocar
odor e emissões de gases de efeito estufa. O problema existe, mas ainda é
possível manter a atividade. Esses impactos são reconhecidos, mas muitas vezes
ignorados ou contornados. No exemplo, a atividade se encontra na fase de Estado
de Necessidade.
A segunda fase ocorre quando as
manifestações se tornam tão graves que já não podem ser ignoradas. Sujeitos de
atividades vizinhas, ou da própria atividade, passam a alterar elementos do
sistema, gerando contradições secundárias — tensões ou
incompatibilidades entre os elementos do sistema de atividade. Nessa fase, os
sujeitos entram em uma situação de vínculo duplo, em que qualquer
escolha implica detrimentos. É o que se costuma dizer: “se ficar, o bicho pega;
se correr, o bicho come”, ou ainda, “entre a cruz e a espada”. Nesse estágio,
os distúrbios se intensificam, e os sujeitos começam a analisar alternativas,
ainda sem sucesso. Essa fase é chamada de VÍNCULO DUPLO, marcada pela
motivação para a mudança e análise de alternativas.
No exemplo da produção de suínos, o
Ministério Público Estadual do Meio Ambiente começa a ameaçar aplicar a lei e
multar agroindústrias compradoras e agricultores por não reduzirem a poluição.
Regras são criadas exigindo a instalação de biodigestores para tratar os
resíduos e reduzir o impacto ambiental. Isso coloca os agricultores em situação
de vínculo duplo: se adotarem os biodigestores, os custos de produção aumentam
e sua renda diminui; se não os adotarem, são multados. Assim surgem
contradições secundárias, como entre as regras (a lei que exige biodigestores)
e os instrumentos (a prática em uso, isto é, o armazenamento a céu aberto dos
resíduos). Neste caso, a atividade se encontra na fase de vínculo duplo.
A solução dessa contradição secundária não
era simples: construir os biodigestores exigidos pela lei era inviável para
muitos agricultores, já pressionados pelos baixos preços do suíno, endividados
e ameaçados de abandonar a atividade.
A terceira fase consiste na CONSTRUÇÃO
DE UM NOVO OBJETO E MODELO DO SISTEMA DE ATIVIDADE. Como o nome indica, os
sujeitos constroem algo novo. Essa fase pode durar anos, especialmente se não
houver coordenação no processo. No caso dos suínos, a solução foi a criação da
atividade de produção de biogás, que uniu o tratamento dos dejetos à geração de
benefícios econômicos para os agricultores.
Na quarta fase, os sujeitos decidem
implementar a solução idealizada em uma unidade piloto, de forma experimental.
Essa fase é chamada de APLICAÇÃO, GENERALIZAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO. Durante
sua implementação, surgem contradições terciárias, ou seja, tensões
entre o novo e o velho.
Por fim, na quinta fase, de CONSOLIDAÇÃO
E REFLEXÃO, o novo sistema de atividade começa a se generalizar e se
consolidar. Ao se difundir, entra em choque com sistemas de atividade vizinhos
— por exemplo, a alta gestão, que não acompanhou o processo e não aprendeu o
novo modelo, ou atividades reguladoras e legislativas com as quais a produção
precisa cooperar. Essas tensões entre um sistema de atividade central e
sistemas vizinhos são chamadas de contradições quaternárias.
Para ilustrar, vejamos outro caso: a
intervenção na atividade de produção de tomates na Finlândia. Ali, a
contradição primária era entre a qualidade do tomate e o preço. A concorrência
com tomates importados do sul da Europa levou à queda dos preços, comprometendo
a renda e a continuidade da produção local. Para enfrentar essa contradição, os
agricultores se reuniram e construíram um novo modelo de produção com foco em
maior qualidade. Uma nova variedade foi testada e implementada: um tomate de
qualidade superior, com melhor sabor e consistência.
No entanto, as regras antigas da
cooperativa de compra não permitiam diferenciar o preço, o que desestimulava os
agricultores que produziam tomates de maior qualidade. Esse é um exemplo de
contradição terciária, entre as regras antigas e o novo objeto. A cooperativa
foi envolvida no processo, e as regras foram modificadas. Contudo, novas
tensões surgiram com o mercado varejista, contradições quaternárias, cujo foco
era minimizar o preço, e não necessariamente maximizar a qualidade. Isso exigiu
a abertura de novo diálogo e aprendizado, desta vez envolvendo também o setor
varejista.
Referências
Engeström, Y.
(1987). Learning by Expanding: An Activity-Theoretical Approach to
Developmental Research. (V.
1). Orienta-Konsultit.
Engeström,
Y. (2002). Aprendizagem por expansão na prática: Em busca de uma reconceituação
a partir da teoria da atividade. Cadernos de Educação, 19.
Engeström, Y. (2008). From teams to knots:
Activity-theoretical studies of collaboration and learning at work. Cambridge University Press.
Engeström,
Y. (2016). Aprendizagem Expasniva (Campinas). Editora Pontes.
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