O que é Estimulação Dupla para Agência Transformadora
Estimulação Dupla para Agência
Transformadora
Texto
do Prof. Marco Querol
O método ou princípio
de Estimulação Dupla, proposto
por Vygotsky (1978, p. 74-75), é central no LM (Vygotsky,
1978). A ideia da estimulação dupla consiste em uma situação em
que o sujeito é colocado em uma situação problemática e recebe instruções para
a construção de meios para resolvê-la (Van
der Veer & Valsiner, 1991). No experimento inicial em que
Vygotsky (1978) apresenta o método, uma criança é colocada diante de um
problema acima de sua capacidade de resolução, e se observa como ela adota um
estímulo neutro e o transforma em um símbolo, incorporando-o na ação de resolução
do problema. A adoção do novo estímulo
modifica a estrutura da operação empoderando a criança a resolver o problema.
O pesquisador não tem
controle sobre o segundo estímulo, ou seja, não pode determinar se ele será
utilizado pelos participantes nem como será interpretado por eles. Mesmo quando
o pesquisador apresenta o estímulo aos participantes, eles podem ressignificá-los,
criando um novo fenômeno psicológico que difere do originalmente planejado pelo
pesquisador (Vygotsky, 1997). Dessa forma o artefato mediador gera
agência no sujeito. Vygotsky afirma (1997, p. 212):
A
pessoa, usando o poder das coisas ou estímulos, controla seu próprio
comportamento através deles, agrupando-os, reunindo-os e classificando-os. Em
outras palavras, a grande singularidade da vontade consiste em um homem não ter
poder sobre seu próprio comportamento além do poder que as coisas têm sobre
ele. O homem submete o poder das coisas ao seu comportamento, faz com que elas
sirvam aos seus propósitos e controlem o poder que ele quiser. Ele muda o
ambiente com a atividade externa e, dessa maneira, afeta seu próprio
comportamento, sujeitando-o à sua própria autoridade.
O método de
estimulação dupla não se limita a crianças. Como apontado por Vygotsky (1978),
o método aponta para manifestação de processos no comportamento de pessoas de
todas as idades. Ele dá o exemplo de uma pessoa que amarra um nó para lembrar
de algo. O nó adquire um significado no qual as pessoas criam um significado
para um estímulo neutro em um novo contexto de resolução de problema. Portanto,
o método envolve dois estímulos, um primeiro estímulo que é a situação
problema; e um segundo estímulo que é um artefato mediador. O segundo estímulo
pode ou não ser oferecido pelo pesquisador; ele também pode ser trazido ou
criado espontaneamente pelos sujeitos.
A estimulação dupla
ocorre diariamente no nosso cotidiano, não somente ao nível individual, mas
também ao nível coletivo para estimular ações coletivas através do uso de
artefatos compartilhados. No LM, a tarefa ou o chamado primeiro estímulo é
representado pelo dado espelho, no qual é apresentada uma situação, um
problema, um distúrbio (Engeström, 2007). Um exemplo de dado espelho é uma fala
ou um vídeo onde se mostra a ocorrência do problema. O primeiro estímulo tem a
função de criar um conflito de motivos (Sannino,
2015), uma situação na qual o sujeito quer alcançar algo, mas não
consegue por meio dos meios que possui. Para resolver tal tarefa, os
participantes fazem uso de um segundo estímulo, um instrumento/artefato
conceitual neutro que pode ser trazido ou construído pelos participantes, ou
pelo intervencionista.
Engeström (2007)
questiona a ideia de Vygotsky de que o segundo estímulo deve ser neutro. Ele
argumenta que nenhum estímulo é realmente neutro, já que todo artefato carrega
implicitamente possibilidades de ação historicamente inscritas. Por exemplo,
nem uma folha de papel em branco é neutra, pois convida a ações de escrever e
desenhar. Segundo Engeström (2007), Vygotsky não tinha a intenção de que a
ideia de neutralidade fosse adotada em termos absolutos. Engeström sugere que,
em vez de recorrer a uma neutralidade absoluta, é mais eficaz definir o
potencial segundo estímulo como algo que ofereça possibilidades de ação
culturalmente apropriadas, mas que também apresente ambiguidade e maleabilidade
suficientes, de modo que o sujeito seja levado a transformá-lo em um
dispositivo mediador eficaz, preenchendo-o com conteúdo específicos.
O segundo estímulo
pode ser um artefato cultural, por exemplo, um conceito ou um modelo usado para
fazer sentido e resolver a tarefa em questão. No LM, são geralmente usados como
segundo estímulo o SA e o Ciclo de Aprendizagem Expansiva. Porém, conceitos e
modelos intermediários[1] também são necessários para conectar
os dados concretos e os modelos abstratos da THCA. Portanto, um LM raramente se
restringe a conceitos e modelos da THCA. Tal necessidade de complementação com
conceitos intermediários é explicitada desde a primeira publicação do método em
1996, na qual os autores apresentaram o esquema do LM (Engeström et al. 1996).
Agência Transformadora
Ao se apropriar e dominar novos
artefatos culturais, os indivíduos expandem sua agência, isto é, sua capacidade
de moldar, dirigir e transformar suas próprias atividades. Em síntese, a
remediação não implica apenas a introdução de novos instrumentos, mas a
reconfiguração das relações sociais e cognitivas que sustentam a atividade.
A agência, portanto, requer uma
capacidade que não é individual, mas socio-histórico-cultural. Ela não
constitui uma propriedade isolada do sujeito, mas emerge das relações sociais e
materiais (Roth et al., 2004), isto é, da própria atividade. Sua formação
demanda não apenas transformações nos indivíduos, mas também em seus sistemas
de atividade (objeto, ferramentas, divisão do trabalho, comunidade) ou, em
certos casos, em redes de sistemas.
Na Teoria
Histórico-Cultural da Atividade, a ação agentiva é entendida como “romper com o
quadro de ação dado e tomar a iniciativa de transformá-lo” (Virkkunen, 2006 p. 49). Nesta linha, agência é
entendida como um processo de transformação de uma situação problema. Hopwood e
Sannino (2024) definem agência como o processo de superar conflitos de motivos
que causam paralisia em indivíduos e coletivos. Conflito de motivos são motivos
que exercem forças igualmente intensas em direções opostas (Hopwood & Sannino, 2023). A agência, ou seja, o processo de
transformação dessas situações, exige uma certa capacidade que não é
individual, mas sim sociocultural. Isso significa que a agência não é uma
propriedade do indivíduo, mas surge e está localizada em relações sociais e
materiais (Roth, 2004), ou seja, em atividades. A formação de
agência requer a transformação não só dos indivíduos, mas de seu sistema de
atividade (objeto, ferramentas, divisão de trabalho, comunidade), ou em certas
situações transformações em uma rede de sistemas. Quando as ações agentivas são
direcionadas a transformar o sistema de atividade essa agência é chamada de
agência transformativa. A agência se manifesta através de ações de criticismo,
resistência, explicação, projeção, comprometimento e ações consequenciais (Vänninen et al., 2015).
Agência
transformadora pode ser facilitada através do método da estimulação dupla em
intervenções formativas, recebendo o nome de Agência Transformadora por
Estimulação Dupla (em inglês Transformative Agency by Double
Stimulation) (Engeström et al., 2022; Sannino, 2022)
Referências
Engeström, Y.
(2007). Putting Vygotsky to work: The change laboratory as an application of
double stimulation. Em The cambridge companion to Vygotsky. Cambridge
University Press.
Engeström, Y., Nuttall, J., & Hopwood, N. (2022).
Transformative agency by double stimulation: Advances in theory and
methodology. Pedagogy, Culture & Society, 30(1), 1–7.
Hopwood, N., & Sannino, A. (2023). Agency and
Transformation: Motives, Mediation, and Motion. Cambridge University Press.
Roth, A. S. (2004). Shared agency and contralateral
commitments. The philosophical review, 113(3), 359–410.
Sannino, A. (2015). The principle of double
stimulation: A path to volitional action. Learning, culture and social
interaction, 6, 1–15.
Sannino, A. (2022). Transformative agency as warping:
How collectives accomplish change amidst uncertainty. Pedagogy, Culture
& Society, 30(1), 9–33.
Van der Veer, R., & Valsiner, J. (1991). Understanding
Vygotsky: A quest for synthesis. Blackwell Publishing.
Vänninen, I., Pereira-Querol, M., & Engeström, Y.
(2015). Generating transformative agency among horticultural producers: An
activity-theoretical approach to transforming Integrated Pest Management. Agricultural
Systems, 139, 38–49.
Virkkunen, J. (2006). Dilemmas in building shared
transformative agency. Activités, 3(3–1).
Vygotsky, L. S. (1978). Mind in society: The
development of higher psychological processes (V. 86). Harvard university
press.
Vygotsky, L. S. (1997). The collected works of LS
Vygotsky: The history of the development of higher mental functions (V. 4).
Springer Science &
Business Media.
[1] Conceitos e modelos intermediários
são artefatos que tem nível de abstração entre os dados concretos e conceitos
mais abstratos. Em outras palavras são representações que interpretam os dados
concretos, porém não representações de representações.
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