AS 4 gerações da THCA
Uma breve história das gerações
da Teoria da Atividade e do Laboratório de Mudança
Texto
de Prof. Marco Querol
Teoria
da Atividade pode ser definida como uma ciência que entende o mundo como um
agregado de atividades Essa ciência tem abordagens com divergências, interesses
e características específicos (Blunden, 2023). Dentro da Teoria
Histórico-Cultural da Atividade (THCA), tem-se a Escola Escandinava ou Escola
Finlandesa da Teoria da Atividade que se originou dos trabalhos do Professor
Yrjö Engeström da Universidade de Helsinki Finlândia (Engeström & Sannino, 2021). Os primeiros estudos
conduzidos na Escola finlandesa da Teoria da Atividade, começaram na década de
1980 e se desenvolveu a partir de meiados da década de 1990 no Centro de
Pesquisa em Atividade, Desenvolvimento e Aprendizagem (CRADLE[1],
Center for Research on Activity, Development and Learning em
inglês) da Universidade de Helsinque.
A
escola finlandesa se diferencia por usar como unidade de análise um ou mais sistemas
de atividade orientado ao objeto, contradições como força motriz de
desenvolvimento, e pela teoria da aprendizagem expansiva (Engeström et al., 2005). Essa escola também é
conhecida pelo desenvolvimento de metodologia intervencionistas como a Pesquisa
de Desenvolvimento do Trabalho e o Laboratório de Mudança entre outros. Mais
recentemente, vem sendo promovida a formação de coalizões de trabalho
heterogêneas que enfrentam problemas sociais críticos e forjam alternativas
práticas ao capitalismo (Sannino, 2020).
Ao
apresentar a evolução da Teoria da Atividade, Engeström e Sannino (2020)
divide-a em quatro gerações. No dicionário de Cambridge, dentre outras
definições, geração é definida como a ação de causar ao existir. Segundo
Sannino (2025), geração está relacionado ao ato de gerar algo (Sannino, 2025). Uma nova geração usa
os recursos da geração anterior. Isso não significa que uma geração é melhor
que a outra, ou que a geração anterior se torna obsoleta. Não. As gerações
coexistem lado a lado, em uma tensão constante por sobreviver, cada uma com um
nicho diferente, apta a sobrevir em um ambiente específico, para um objetivo
específico.
Eu Marco
Querol, apresento como exemplo do mundo animal nos ajude a entender o conceito
de geração. Ao estudar a evolução da inteligência animal, se utiliza como
modelo inicial o surgimento do neurônio nos organismos pluricelulares que
constituem os primeiros animais (pólipos e corais) que são sedentários (Bennett, 2023). Visando expandir a
disponibilidade de alimento os animais bilaterais (ex: nematoides) passam a se
movimentar no meio. Ao fazê-lo deparam com estímulos contraditórios, como por
exemplo, há comida, porém um predador. O animal tem que tomar decisão sob
estímulos contraditórios. Para resolver essa situação, surgem nos animais
bilaterais o cérebro, uma rede de neurônios capaz de coordenar estímulos contraditórios
gerando uma resposta integrada. Os animais bilaterais representam uma segunda
geração em relação aos animais sedentários. Porém o neurônio que surge nos
animais sedentários não deixa de existir, mas ele passa ser parte fundamental
do cérebro das gerações futuras de animais. O exemplo, mostra como a estrutura
de uma geração se torna base e recurso para uma geração seguinte, sem extinguir
o princípio básico da geração anterior. Do mesmo modo os animais sedentários,
como os corais e pólipos não deixam de existir, mas coabitam a Terra com as
gerações futuras. Ao aplicar a estrutura da geração anterior, em um novo
contexto, a nova geração consegue resolver contradições no sistema anterior.
As
quatro gerações da THCA propostas por Engeström e Sannino (2021) têm em comum certas
ideias fundamentais, tais como que a análise do trabalho deve ser baseada na prática
orientada por um objeto, mediada por instrumentos e que se transforma por meio
de suas contradições inerentes.
A primeira
geração, segundo Engeström e Sannino (2021) começa com o russo Lev Semenovich
Vygotsky na década de 1930 como uma abordagem para entender a consciência
humana e funções cognitivas mais complexas (Vygotsky, 1997). Para Vygotsky a
unidade teórica de análise era uma ação mediada por artefatos culturais (Zinchenko, 1985). A ideia básica é que
os humanos usam produtos da cultura, tais como palavras, ferramentas e sinais
para fazer as coisas.
A
segunda geração é introduzida pelo russo Alexei Nikolaevich Leontiev que
trabalhou o conceito de atividade (Leont’ev, 1978). O conceito de
atividade de Leontiev é posteriormente representado por Engeström (1987) no
modelo de sistema de atividade, representando a unidade de análise dos estudos
de segunda geração.
Em
2001, Yrjö Engeström apresenta um modelo composto por dois sistemas de
atividade com um objeto parcialmente compartilhado, o que se tornou a terceira
geração (Engeström, 2001). Esses sistemas de
atividade interconectados podem representar uma relação de produtor–cliente,
uma parceria, uma rede, uma aliança ou algum outro padrão de colaboração
multiatividade.
Mais
recentemente, diante da necessidade de conceitualizar o processo de resolução
de problemas sociais complexos, denominados objetos fugidios (runaway
objects em inglês), tais como mudança climática, prevenção de acidentes,
falta de moradia, foi proposta uma quarta geração, na qual a unidade teórica de
análise é umas coalisões heterogêneas de trabalho. Essas coalisões geralmente
visam resolver os problemas sociais e criar alternativas ao capitalismo (Sannino, 2020; Sannino & Engeström, 2018)
A
primeira intervenção formativa realizada pelos pesquisadores da Escola
Finlandesa da Teoria da Atividade ocorreu no início da década de 1980 e teve
como foco o trabalho e o pensamento de profissionais de limpeza empregados por
uma empresa de serviços comerciais de limpeza. Esse tipo de intervenção
corresponde ao que hoje chamamos de Laboratório de Mudança de
primeira geração, embora, na época, ainda não recebesse essa denominação. Nessa
intervenção, adotou-se como unidade de análise uma ação de trabalho mediada,
representada na parte superior do triângulo do sistema de atividade, composto
por sujeito, instrumentos, objeto e resultados esperados.
Uma
limitação importante da ação mediada como unidade de análise —
apontada por Engeström e Sannino (2021) — é que ela não aborda explicitamente
as relações sociais nem a inserção organizacional das ações
de trabalho. Isso pode levar à tendência de atribuir explicações para
distúrbios, problemas, inovações e processos de transformação exclusivamente ao
indivíduo, desconsiderando os fatores coletivos e sistêmicos que estruturam a
atividade.
A
partir da década de 1990, as intervenções formativas desenvolvidas pela Escola
Finlandesa da Teoria da Atividade passaram a adotar como unidade de análise o
sistema de atividade. Essas intervenções utilizavam a metodologia conhecida
como Pesquisa de Desenvolvimento do Trabalho (Developmental Work Research),
na qual se analisavam, em conjunto com os participantes, as contradições
históricas presentes dentro e entre os elementos do sistema de atividade, bem
como os distúrbios observados no presente (Engeström et al., 2005). Com base nessa
análise, era desenhado e implementado um novo modelo para o sistema em questão.
Em
1996, foi publicada a primeira experiência formalmente
intitulada Laboratório de Mudança, realizada em uma empresa de correios da
Finlândia, no contexto da atividade de serviço postal (Engeström et al., 1996).
Assim como nas intervenções anteriores baseadas na Pesquisa de Desenvolvimento
do Trabalho, a unidade de análise continuava sendo o sistema de atividade. Esse
modelo é o que podemos chamar de segunda geração dos Laboratórios de
Mudança.
No
final dos anos 1990, surgiram intervenções que passaram a adotar como unidade
de análise dois ou mais sistemas de atividade inter-relacionados. Essa
abordagem, inicialmente denominada Boundary Crossing Laboratory, que
podemos chamar de terceira geração dos Laboratórios de Mudança.
Na
última década, tem crescido o reconhecimento de que a resolução de wicked
problems (problemas complexos e de difícil solução) exige o
envolvimento não apenas de múltiplas atividades, mas, sobretudo, de atividades
situadas em diferentes níveis sistêmicos. Intervenções com esse escopo têm
sido denominadas Laboratórios de Mudança de 4ª Geração. A unidade de
análise nos LMs de 4ª geração proposta por Engeström e Sannino (2020) é uma
coalisão de sistemas de atividades heterogêneos, mais precisamente múltiplos
ciclos coalescentes de aprendizagem expansiva. Tais ciclos se fundem, ocorrendo
dentro e entre as atividades envolvidas, com dinâmicas relativamente
independentes e, ao mesmo tempo, interdependentes entre si. Em outras palavras
a unidade de análise deve ser ciclos de aprendizagem que convergem e se fundem,
indo numa mesma direção, que é o objeto fugidio - o problema social que é
idealizado em resultados esperados.
Como
o leitor poderá notar durante a leitura do livro, o LM não é um método fixo,
que impõe regras e passos, mas sim princípios que podem ajudar no processo de
empoderamento dos profissionais a conceptualizaram os seus problemas e
construírem soluções aos mesmos. O tipo de problemas lidados em um LM varia de
problemas locais técnicos visando aumento da produção até problemas societais
maiores que visam transformações em rede de sistema de atividades de múltiplos
níveis.
Referências
Bennett, M. S.
(2023). A brief history of intelligence: Evolution, AI, and the five
breakthroughs that made our brains. HarperCollins.
Blunden, A. (2023). Activity Theory: A critical
overview. BRILL.
Engeström, Y. (2001). Expansive learning at work:
Toward an activity theoretical reconceptualization. Journal of education and
work, 14(1), 133–156.
Engeström, Y., Lompscher, J., & Rückriem, G.
(2005). Putting activity theory to work: Contributions from developmental
work research (V. 13). Lehmanns Media.
Engeström, Y., & Sannino, A. (2021). From mediated
actions to heterogenous coalitions: Four generations of activity-theoretical
studies of work and learning. Mind, culture, and activity, 28(1),
4–23.
Leont’ev, A. N. (1978). Activity, consciousness,
and personality. Prentice-Hall Englewood Cliffs.
Sannino, A. (2020). Enacting the utopia of eradicating
homelessness: Toward a new generation of activity-theoretical studies of
learning. Studies in continuing education, 42(2), 163–179.
Sannino, A. (Diretor). (2025, setembro 15). Introduction
to the MOOC and to Module 1 (from Videorecording of the Zoom meeting) [Gravação de vídeo].
https://tuni.cloud.panopto.eu/Panopto/Pages/Viewer.aspx?id=dd57c9b8-332e-4b01-8d75-b07e00d0250e
Sannino, A., & Engeström, Y. (2018). Valuable
innovations out of nonsense? Expansive organizational learning and
transformative agency in the Mann Gulch disaster and in the Finnish
homelessness strategy. Teoria e Prática em Administração (TPA), 8(2),
60–79.
Vygotsky, L. S. (1997). The collected works of LS
Vygotsky: The history of the development of higher mental functions (V. 4).
Springer Science & Business Media.
Zinchenko, V. P. (1985). Vygotsky’s ideas about units
for the analysis of mind. Em Culture,
communication, and cognition: Vygotskian perspectives (p. 94–118). J. V.
Wertsch.
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