5. Quais são as fases e o formato de um Laboratório de Mudança

As fases e o formato de um Laboratório de Mudança

 Por Marco Antonio Pereira Querol

 mapquero@gmail.com 

Esta postagem visa abordar as seguintes questões: Quais são as ações conduzidas em um LM? Como é organizada a sala? Qual é a trajetória em um LM?

 O método do Laboratório de Mudança, já foi apresentado em outras publicações, aqui sintetizo e explico os principais esquemas apresentados por Engeström e colegas (Engeström et al., 1996; Querol et al., 2011; Virkkunen & Newnham, 2015).  

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 Como foi mencionado anteriormente, o LM é geralmente definido como um método, uma ferramenta. Pode ser visto também como uma comunidade, ou seja, um grupo de pessoas, ou um espaço coletivo onde as pessoas analisam e desenvolvem sua atividade. Propus anteriormente que o LM é uma atividade produtora de outra atividade, ou seja, uma atividade cujo objeto é outro sistema de atividade. Sendo uma atividade, ela é coletiva e composta por ações.

No LM, o aprendizado expansivo é estimulado em seis fases. Começa-se com um mapeamento da situação atual, reconhecendo a necessidade de mudança e se comprometendo a mudá-la (Figura 1). Em seguida, é feita uma análise do passado e dos distúrbios enfrentados, formulando hipótese das contradições. A intervenção continua com o desenho de um novo modelo do sistema de atividade, o qual é testado e implementado. Finalmente, faz-se uma avaliação para sistematizar e difundir os aprendizados.

 Figura 1. As ações em um Laboratório de Mudanças (Engeström et al. 1996).

 

 

 

O layout de um LM

No LM, utiliza-se um conjunto de superfícies 3x3, cujo objetivo é representar a atividade de trabalho e, dessa forma, auxiliar os participantes a compartilharem e analisarem colaborativamente suas observações e ideias (Figura 2). Essas superfícies são organizadas horizontalmente em três colunas e três camadas. As colunas representam diferentes níveis de abstração, enquanto as camadas representam diferente perspectivas temporais: o passado, o presente e o futuro da atividade.

 

Figura 2: Esquema do espaço e instrumentos em um LM (Engeström, 1996).

Na coluna da direita se encontram os dados espelho do passado, presente e futuro. Na coluna da esquerda são utilizados modelos e conceitos mais abstratos, geralmente da TAHC, tais como o SA, o Ciclo de Aprendizagem Expansiva e conceito de contradições, usados para analisar e modelar o passado, presente e futuro. Na coluna do meio estão os conceitos e modelos intermediários, que ajudam a fazer sentido e fazer uma primeira representação dos dados espelho.

A dinâmica temporal e cognitiva em um LM

O quadro 1, representa a dinâmica socio-temporal e cognitiva de aprendizado em um LM. O esquema não deve ser visto como uma prescrição a ser seguida. As flechas de duplo sentido mostram que o processo é dinâmico, e se pode recorrer os diferentes níveis e colunas de forma flexível, de acordo com o andar da intervenção no caso específico

O processo de aprendizado começa com a confrontação dos participantes com dados espelho do presente, na forma de vídeo, falas, imagens. É importante que os dados espelho sejam o mais “cru” possível, ou seja, não interpretado, e deixar que os próprios participantes o interpretem (1. Presente Espelho). São exemplos de dados espelho dos presentes distúrbios, opiniões sobre a satisfação dos clientes, um estudo de um caso, dentre outros. Mais recentemente vem se testando o uso da arte abstrata e do teatro como forma de refletir a atividade. Esses dados espelho são em seguida sistematizados como ideias e ferramentas intermediarias, como, por exemplo, uma lista, ou áreas problemáticas (Virkkunen e Newnham, 2015).

 

Quadro 1. Representação da dinâmica socio-temporal e cognitiva em um LM (Virkkunen e Newnham, 2015).

Após a apresentação dos dados espelho do presente, e da coleta de observações e comentários dos participantes, se geralmente se faz uma sistematização dos problemas mais relevantes. Para tanto pode-se usar, por exemplo, listas, mapas mentais (2. Ideias/Ferramentas/Presente). Em seguida, para explicar como esses problemas surgiram, os participantes o intervencionista apresenta dados espelho do passado, na forma de narrativa (ex: um vídeo com entrevista com alguém mais antigo) ou então coletar dados e observações durante a própria sessão, convidando alguém mais antigo para falar sobre as mudanças ocorridas na estrutura do sistema de sua atividade, enquanto alguém vai registrando essas informações (3. Espelho/Passado) (Virkkunen e Newnham, 2015).

Em seguida, esses dados são analisados para identificar períodos em que houve maior intensidade de mudanças, suas causas e as conexões entre elas. Pode-se usar aqui por exemplo, uma linha do tempo, e ou um quadro com as principais mudanças e a data que as mesmas ocorreram (Virkkunen e Newnham, 2015).

Essa análise permite reconhecer fases de desenvolvimento do sistema de atividade e localizar o último momento em que ele esteve relativamente estável e coerente (4. Ideias/Ferramentas/Passado). Com base nessas mudanças, torna-se possível modelar a forma passada do sistema de atividade, caracterizando como os elementos do sistema se organizavam e funcionavam naquele período específico (5. Modelo/Visão/Passado) (Virkkunen e Newnham, 2015).

A partir do modelo do passado com suas contradições pode-se elaborar um modelo do sistema atual da atividade, apontando em quais elementos ocorreram mudanças significativas e em quais as mudanças foram menores. A comparação entre esses elementos evidencia possíveis contradições dentro da própria estrutura da atividade. É interessante também discutir em qual fase de desenvolvimento expansivo a atividade se encontra. Localizar a atividade no ciclo permite saber quais tipos de contradições podem estar predominando. A partir dessa análise, os participantes podem levantar hipóteses sobre as contradições no sistema (6. Modelo/Presente). Essas hipóteses são então testadas, comparando-as com os dados e observações já registrados (o espelho) (Virkkunen e Newnham, 2015).

O design de um novo sistema de atividade visa resolver tais contradições. Para tanto, pode-se apresentar dados espelho do futuro, ou seja, exemplos de soluções que tenham sido implementadas em outros locais ou em situações parecidas. As discussões sobre os dados do espelho do futuro geram ideias para novas soluções. O processo de design pode ser basear na própria atividade quanto em experiências de atividades semelhantes. Nesta fase, os participantes constroem uma visão do novo modelo futuro do sistema de atividade (7. Modelo/Visão/Futuro). Em seguida, devem definir novas formas de ação e ferramentas para implementar esse novo modelo (8. Ideias/Ferramentas/Futuro). Ao implementar o novo modelo, é muito provável que surjam novas contradições. Por isso, é necessário coletar dados qualitativos (9. Espelho/Futuro), tais como entrevistas ou visitas de campo sobre os experimentos, avaliando o que funcionou, o que precisa ser ajustado e quais tipos de desenvolvimento adicional serão necessários para estabilizar o novo modelo (Virkkunen e Newnham, 2015).

 É importante destacar que cada LM acontece em um contexto sociocultural e histórico específico e, por isso, precisa ser adaptado às condições locais. Nem todas as intervenções seguem exatamente a dinâmica proposta. De fato, estudos recentes (Querol e Vänninen, no prelo) indicam que cada intervenção pode assumir trajetórias distintas. Ainda assim, recomenda-se monitorar esse percurso em tempo real, de modo a garantir que os participantes percorram as etapas essenciais, mesmo que não na ordem originalmente sugerida. Dessa forma, aumenta-se a chance de avanço no ciclo expansivo e de maior efetividade da intervenção.

A evolução do Laboratórios de Mudança

Como já mencionado, apesar de compartilharem princípios comuns, cada LM pode variar em relação a quem é envolvido, o tipo de problema, dentre outros. Recentemente, Engeström e Sannino (2021) propôs que os LMs seguem 4 gerações.  O que define a classificação de um Laboratório de Mudança como pertencente à 1ª, 2ª, 3ª ou 4ª geração é a unidade de análise adotada.

A primeira intervenção formativa realizada pelos pesquisadores da Escola Finlandesa da Teoria da Atividade ocorreu no início da década de 1980 e teve como foco o trabalho e o pensamento de profissionais de limpeza empregados por uma empresa de serviços comerciais de limpeza. Esse tipo de intervenção corresponde ao que hoje chamamos de Laboratório de Mudança de primeira geração, embora, na época, ainda não recebesse essa denominação. Nessa intervenção, adotou-se como unidade de análise uma ação de trabalho mediada, representada na parte superior do triângulo do sistema de atividade, composto por sujeito, instrumentos, objeto e resultados esperados.

Uma limitação importante da ação mediada como unidade de análise — apontada por Engeström e Sannino (2021) — é que ela não aborda explicitamente as relações sociais nem a inserção organizacional das ações de trabalho. Isso pode levar à tendência de atribuir explicações para distúrbios, problemas, inovações e processos de transformação exclusivamente ao indivíduo, desconsiderando os fatores coletivos e sistêmicos que estruturam a atividade.

A partir da década de 1990, as intervenções formativas desenvolvidas pela Escola Finlandesa da Teoria da Atividade passaram a adotar como unidade de análise o sistema de atividade. Essas intervenções utilizavam a metodologia conhecida como Pesquisa de Desenvolvimento do Trabalho (Developmental Work Research), na qual se analisavam, em conjunto com os participantes, as contradições históricas presentes dentro e entre os elementos do sistema de atividade, bem como os distúrbios observados no presente. Com base nessa análise, era desenhado e implementado um novo modelo para o sistema em questão.

Em 1996, foi publicada a primeira experiência formalmente intitulada Laboratório de Mudança, realizada em uma empresa de correios da Finlândia, no contexto da atividade de serviço postal (Engeström et al., 1996). Assim como nas intervenções anteriores baseadas na Pesquisa de Desenvolvimento do Trabalho, a unidade de análise continuava sendo o sistema de atividade. Esse modelo é o que podemos chamar de segunda geração dos Laboratórios de Mudança.

No final dos anos 1990, surgiram intervenções que passaram a adotar como unidade de análise dois ou mais sistemas de atividade inter-relacionados. Essa abordagem, inicialmente denominada Boundary Crossing Laboratory, que podemos chamar de terceira geração dos Laboratórios de Mudança.

Na última década, tem crescido o reconhecimento de que a resolução de wicked problems (problemas complexos e de difícil solução) exige o envolvimento não apenas de múltiplas atividades, mas, sobretudo, de atividades situadas em diferentes níveis sistêmicos. Intervenções com esse escopo têm sido denominadas Laboratórios de Mudança de 4ª Geração. A unidade de análise nos LMs de 4ª geração proposta por Engeström e Sannino (2020) é uma coalisão de sistemas de atividades heterogêneos, mais precisamente múltiplos ciclos coalescentes de aprendizagem expansiva. Tais ciclos se fundem, ocorrendo dentro e entre as atividades envolvidas, com dinâmicas relativamente independentes e, ao mesmo tempo, interdependentes entre si. Em outras palavras a unidade de análise deve ser ciclos de aprendizagem que convergem e se fundem, indo numa mesma direção, que é o objeto fugidio - o problema social que é idealizado em resultados esperados. 

Sobre o autor

 

Marco Antonio Pereira Querol é professor associado no Departamento de Engenharia Agronômica da Universidade Federal de Sergipe (UFS), onde leciona Sociologia Rural, Extensão Rural e Movimentos
Sociais. Sua pesquisa concentra-se em Inovação, Sustentabilidade, Aprendizagem Organizacional, Teoria da Atividade Histórico-Cultural e Metodologias Intervencionistas, com ênfase especial no Laboratório de Mudança.

ORCID: 0000-0003-3815-1835. 


Referências

Engeström, Y., Virkkunen, J., Helle, M., Pihlaja, J., & Poikela, R. (1996). The change laboratory as a tool for transforming work. Lifelong learning in Europe, 1(2), 10–17.

Querol, M. A. P., Jackson Filho, J. M., & Cassandre, M. P. (2011). Change laboratory: Uma proposta metodológica para pesquisa e desenvolvimento da aprendizagem organizacional. Administração: ensino e pesquisa, 12(4), 609–640.

Virkkunen, J., & Newnham, D. S. (2015). O Laboratório de Mudança: Uma ferramenta de desenvolvimento colaborativo para o trabalho e a educação. Belo Horizonte: Fabrefactum, 424, 2015.

 

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