Kurt Lewin: Conduta, conhecimento e aceitacão de novos valores

Capítulo 4 - Conduta, conhecimento e aceitação de novos valores 

 

Resumo de Marco Antonio Pereira Querol 

Esta postagem apresenta um resumo das principais ideias de Kurt Lewin (1948) expostas no capítulo 4 do livro Resolving Social Conflicts. Apesar de antigo, esse capítulo, a meu ver, traz algumas lições importantes de como mudar o pensamento e o comportamento individual, que, como veremos, têm natureza coletiva e social. A principal contribuição deste capítulo é destacar a importância de criar grupos de pertencimento, onde o indivíduo participa de forma voluntária e livre. 

O capítulo busca compreender o processo de reeducação, sua natureza, suas causas e os fatores que geram resistência a ela. A reeducação consiste em reintegrar o indivíduo aos valores e padrões de conduta da sociedade em que vive. Entretanto, pode ocorrer que uma pessoa se afaste não apenas das normas sociais, mas também da realidade dos fatos objetivos. Diante disso, Lewin levanta a questão: o que precisa acontecer para que um indivíduo abandone essa divergência e volte a se orientar pelas normas e pela realidade? Outra pergunta central é: qual é a origem da divergência entre o indivíduo, as normas e a realidade?

Divergências são adquiridas da mesma forma que ocorre a aceitação do que é considerado “normal” e “realidade”. A realidade, as crenças e os valores de um indivíduo são formados pelo grupo social ao qual ele pertence. O que um indivíduo considera “realidade” é determinado pelo que o grupo aceita como tal. Assim, a realidade não é absoluta, mas varia conforme o grupo de referência.

Esse comportamento humano de acreditar no que o grupo acredita está ligado ao instinto de seguir o coletivo e manter a conformidade social. Isso ocorre por dois motivos principais. O primeiro é que, geralmente, quando a maioria faz ou acredita em algo, há uma probabilidade maior — embora não garantida — de que isso esteja correto, em comparação com a posição contrária. O segundo motivo é a pressão social: grupos tendem a excluir pessoas cujos pensamentos ou condutas diferem dos seus. Assim, o indivíduo tende a aceitar o que o grupo aceita e faz, para ser aceito e permanecer como parte dele. Esse segundo fator está diretamente relacionado ao instinto humano de pertencer a grupos sociais.

Portanto, se o processo de divergência é idêntico ao processo aculturamento, a reeducação envolve não apenas adquirir novos conhecimentos, mas também desenvolver novos hábitos, padrões, valores e identidade. Mudar o seu comportamento e pensamento envolve mudar a cultura a qual ele está exposto. Assim, o novo sistema de valores passará a governar seu pensamento e sua conduta de forma inconsciente. Mas como mudar esse sistema de mediadores estruturais profundos, muitas vezes inconscientes, que governa um indivíduo? A resposta está no grupo social. 

Lewin defende seu argumento sobre a importância da abordagem em grupo, exemplificando com o caso dos Alcoólicos Anônimos, considerada mais eficiente do que abordagens individuais. O indivíduo ancora sua conduta em algo supraindividual — a cultura compartilhada — o que dá mais estabilidade às suas crenças e reduz as influências diárias às quais poderia estar sujeito.

O que muda no indivíduo durante o processo de aculturamento? Dois aspectos devem mudar: a cognição (conhecimento e forma de explicar o mundo) e os valores. Mas como? 

Palestras e métodos tradicionais de transmissão de conhecimento tem um impacto limitado. Adicionar experiências e práticas podem ajudar, mas não são suficientes. As pessoas podem ter conhecimento de algo, mas não agir de acordo com esse conhecimento. Lewin cita o exemplo de uma mulher que possui preconceito contra trabalhadores idosos, mesmo tendo tido experiências positivas com colegas mais velhos que demonstraram ser altamente eficientes. 

Outro fator que torna o conhecimento e a experiência individual insuficientes para promover uma mudança é o fato de que o sentimento de preconceito muitas vezes está enraizado em um grupo social ao qual o indivíduo pertence. Para que ocorra uma mudança mais duradoura de comportamento, é necessário que haja uma transformação nos valores e no sentimento de pertencimento do indivíduo — ou seja, é preciso que ocorra uma mudança cultural.

A mudança cultural pode ocorrer quando o indivíduo é inserido em um grupo com uma cultura diferente. No entanto, é preciso cautela: o indivíduo pode manter lealdade aos valores antigos e demonstrar hostilidade em relação aos novos. Isso tende a acontecer quando a mudança é forçada — ou seja, quando não é voluntária, mas imposta. Diante da sensação de ameaça, a reação natural é a resistência e até a hostilidade. Para que a reeducação seja possível, é fundamental que o indivíduo se exponha voluntariamente ao processo. Portanto, para que a mudança ocorra de forma mais eficaz, é necessário criar uma atmosfera de liberdade e espontaneidade, com participação voluntária, informalidade nas interações, liberdade de expressão para manifestar queixas, segurança emocional e ausência de pressões.

A questão da livre escolha é fundamental no processo de reeducação, pois o indivíduo precisa perceber os novos valores como parte de uma cultura de um grupo ao qual ele faz parte. Portanto, somente se — e quando — esses novos valores forem aceitos de forma voluntária, e somente se corresponderem a uma cultura compartilhada, é que o indivíduo poderá mudar sua percepção social, promovendo assim uma transformação duradoura.

Isso, no entanto, gera um dilema: como alguém pode adotar novos valores se é hostil a eles e ainda se mantém fiel aos antigos?

A solução está no estabelecimento de grupos de pertencimento — ou seja, grupos nos quais os indivíduos sentem que realmente fazem parte. Quando uma pessoa se reconhece como membro de um grupo, ela tende a aceitar os valores e a cultura desse grupo. Independentemente das diferenças individuais, os membros precisam desenvolver um sentimento coletivo de pertencimento. As chances de reeducação aumentam significativamente quando se forma um senso de "nós", a percepção de que estão "no mesmo barco", enfrentando as mesmas dificuldades e falando a mesma linguagem.

Além da participação voluntária e da liberdade de expressão, Lewin destaca outro princípio essencial: os participantes do grupo devem descobrir ou construir o conhecimento por si mesmos, em vez de receberem os fatos prontos de uma autoridade externa. Quando as pessoas descobrem os fatos por conta própria, esses fatos se tornam parte da sua experiência e, portanto, mais significativos e transformadores.

Em resumo, para mudar a conduta e o pensamento de um indivíduo, é necessário transformar a cultura em um nível mais profundo — o que envolve não apenas o conhecimento, mas também os valores. Para isso, uma técnica poderosa é a criação de grupos de pertencimento. Ao se sentirem parte de um grupo, os indivíduos passam a adotar os valores e a cultura compartilhada por ele.

Dois aspectos são especialmente importantes nesse processo:

  1. Liberdade de expressão e participação voluntária;
  2. Descoberta ativa dos fatos pelos próprios membros do grupo.

 

 


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